Mais de meio século depois, eu
descubro que faço parte de uma geração que se tornou onanista por culpa dos
filmes estrelados por uma esfuziante e sapeca atriz francesa, hoje comemorando
85 anos de uma bem vivida existência: a branca e bela Brigitte Bardot, e olha
que eu aprecio muito mais as formas arredondadas tingidas de peles escuras, de
preferência das figuras amorenadas e de olhos castanhos.
O título escolhido para este texto,
E Deus criou a mulher, foi dado a um filme eterno, que rebentou paradigmas,
dirigido pelo cineasta francês Roger Vadim, que a juventude brasileira, vivente
na metade dos anos cinquenta do século passado, teve que assistir inúmeras
vezes e, na volta para casa, enfurnar-se no banheiro alegando uma dor de
barriga que durava pelo menos sessenta longos minutos. E nas mãos juvenis, com
certeza agarradas a uma das revistinhas de sacanagem do grande Carlos Zéfiro,
que auxiliavam a revisitar as façanhas da grande estrela escondidas lá trás no
escurinho e na tela do cinema. Tempos bons, que não voltam jamais.
Naquele tempo glorioso as
residências mal dispunham de um banheiro para uso de todas as pessoas da casa,
o que gerava o desespero de frenéticas e enraivecidas batidas na porta do
referido aposento orgástico, sempre ocupado por jovens cinéfilos fanatizados
pela bela e atraente imagem desnuda da francesinha que não desgrudava das suas
mentes encantadas pelas telas coloridas dos cinemas.
Sim, é preciso recordar que não
existiam telespectadores, pois ainda não se tinham popularizado as televisões –
à época de alto custo e disponíveis apenas em preto e branco – coloridas e de
grandes telas, de muitas polegadas como aquelas que hoje qualquer salário
mínimo é convidado a adquirir em sessenta suaves prestações.
Ir ao cinema era a grande
diversão, famílias inteiras viam os filmes e nos domingos o grande programa das
crianças e dos jovens consistia em assistir às “matinées” das dez horas que se
estendiam até ao meio-dia. E, antes da televisão, o cinema enfeitiçava as
multidões com o tecnicolor enchendo a tela, e trazendo, pela primeira vez, as
cores como o público nunca tinha visto até então e de imediato passou a adorar.
Agora, antes de irmos ao cinema, sempre nos ocorria uma pergunta: “Este filme é
colorido?”
No entanto, Brigitte Bardot não
foi apenas um corpo que todos os homens desejavam.
Por todos esses 85 anos, ela foi uma revolucionária no corpo e na alma,
liderando movimentos estéticos e sociais na França e no mundo. No cinema, depois
de trabalhar com as ideias de Roger Vadim expondo o corpo feminino, foi atraída
pelo cerebral diretor Jean Luc Godard, o criador da “nouvelle vague” francesa, que
tinha uma visão diferente ao levar para as telas os grandes dramas humanos, e
filmou o celebre desprezo repentino de uma mulher por um homem de quem estava
apaixonada, protagonizado por ela e pelo ator Michel Piccoli.
Aliás, o título desse magistral filme era “O
Desprezo”, de 1963, e se tornou mais um grande sucesso mundial de Jean Luc
Godard. Tive o prazer de assistir a esse filme no Cine Taguatinga, no centro daquela
cidade satélite de Brasília. Para minha tristeza, este cinema não mais existe.
Jean-Luc Godard liderou uma
grandiosa leva de geniais diretores de cinema em seu país. No Brasil, nessa
época, explode o “cinema novo” liderado pelo corajoso e avançado baiano Glauber
Rocha, que dizia ter apenas “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”.
Por fim, com a idade lhe
abraçando, Brigitte dedicou-se integralmente à causa da defesa dos animais, o
que faz até hoje, com seus oitenta e cinco anos.
Mas
antes da dedicação aos bichos - pássaros, gatos e cães – aqueles de pequeno
porte, sem esquecer elefantes, ursos e rinocerontes – estes os de grande porte,
Brigitte Bardot viveu sua cota de Brasil, na pequena cidade litorânea de Cabo
Frio, ainda desconhecida do próprio país. Ela nos foi trazida por um “playboy”
(saudades dessa palavrinha importada, que designava os homens que podiam levar
uma boa vida, uma vida na gandaia, dizia-se). Nome do “playboy” felizardo?
Lembro ainda, ele era o marroquino conhecido como Bob Zagury. Ficaram famosas
as fotos dele divertindo-se com Brigitte nas areias das praias cabo-frienses,
aquelas gargalhadas nos causavam inveja - por nada não - apenas pela
proximidade daquela desejada mulher.
Da tão ilustre senhora restou uma estátua em
Cabo Frio, erigida pela municipalidade para que ficasse registrada a sensível e
pecaminosa passagem da mulher que ofuscou todas as outras reconhecidas
personagens femininas daquela época, pelo mundo inteiro. Nenhuma delas, por
mais que seus atos e atitudes chamassem a atenção e ganhassem as manchetes dos
jornais, revistas e telas dos cinemas, conseguiu superar a figura inesquecível
de Brigitte Bardot. Nomes como Ava Gardner, Marilyn Monroe, Rita Hayworth
tiveram seus mais de quinze minutos de fama, como consagrou o artista plástico
Andy Warhol, mais não conquistaram o ardor dos olhos masculinos como Bardot.
No entanto, uma tentativa de rejeição
surgiu na trajetória brasileira de Brigitte Bardot, criada pela verve carioca
dos dourados anos cinquenta no Rio de Janeiro. O carioca daquela época fazia
questão de ser reconhecido nacionalmente como um inconteste gozador de pessoas,
em especial das personalidades que circulassem pelo seu sagrado território.
Desse modo, o carioca gozador criou
uma frase que se ouvia à boca pequena em todo e qualquer lugar, em qualquer
ocasião e pelo mais banal dos motivos, bastando que se invocasse qualquer ato
ou atitude da francesinha que apenas passava uns dias no Brasil, ou melhor, nas
praias de Cabo Frio: “De novo, aquela chata da Brigitte?” ou então “Lá vem de
novo a intrometida da Brigitte!”
E a presença de Brigitte Bardot resistiu até
ao gostoso e irreverente comportamento carioca de querer fazer comentários
divertidos ou perversos sobre qualquer pessoa de destaque, uma visão de mundo
que desapareceu com a mudança dos tempos em nosso país, hoje tomado por uma
violência sem limites que não mais respeita os visitantes estrangeiros, sejam
eles celebridades ou simples indivíduos que se assemelham e se misturam ao
nosso gentio nacional. A criatividade gozadora foi substituída pela violência
praticada à mão armada, com armas de fogo ou armas brancas, a pau e a pedra,
com qualquer coisa ao alcance dos meliantes.
Enfim, Brigitte Bardot resistiu a tudo
que procurou fazê-la desistir do seu passeio brasileiro em Cabo Frio, e a nós
nos resta apenas lembrar, invocando Voltaire - apenas em parte - que “Il faut toujours
aimez-nous les femmes, c’est le seule
moyen du rendre la vie supportable!”
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