domingo, 6 de outubro de 2019

E Deus criou a mulher... e não esqueçamos as musas de uma geração.


          Mais de meio século depois, eu descubro que faço parte de uma geração que se tornou onanista por culpa dos filmes estrelados por uma esfuziante e sapeca atriz francesa, hoje comemorando 85 anos de uma bem vivida existência: a branca e bela Brigitte Bardot, e olha que eu aprecio muito mais as formas arredondadas tingidas de peles escuras, de preferência das figuras amorenadas e de olhos castanhos.

           O título escolhido para este texto, E Deus criou a mulher, foi dado a um filme eterno, que rebentou paradigmas, dirigido pelo cineasta francês Roger Vadim, que a juventude brasileira, vivente na metade dos anos cinquenta do século passado, teve que assistir inúmeras vezes e, na volta para casa, enfurnar-se no banheiro alegando uma dor de barriga que durava pelo menos sessenta longos minutos. E nas mãos juvenis, com certeza agarradas a uma das revistinhas de sacanagem do grande Carlos Zéfiro, que auxiliavam a revisitar as façanhas da grande estrela escondidas lá trás no escurinho e na tela do cinema. Tempos bons, que não voltam jamais.

           Naquele tempo glorioso as residências mal dispunham de um banheiro para uso de todas as pessoas da casa, o que gerava o desespero de frenéticas e enraivecidas batidas na porta do referido aposento orgástico, sempre ocupado por jovens cinéfilos fanatizados pela bela e atraente imagem desnuda da francesinha que não desgrudava das suas mentes encantadas pelas telas coloridas dos cinemas.

             Sim, é preciso recordar que não existiam telespectadores, pois ainda não se tinham popularizado as televisões – à época de alto custo e disponíveis apenas em preto e branco – coloridas e de grandes telas, de muitas polegadas como aquelas que hoje qualquer salário mínimo é convidado a adquirir em sessenta suaves prestações.

             Ir ao cinema era a grande diversão, famílias inteiras viam os filmes e nos domingos o grande programa das crianças e dos jovens consistia em assistir às “matinées” das dez horas que se estendiam até ao meio-dia. E, antes da televisão, o cinema enfeitiçava as multidões com o tecnicolor enchendo a tela, e trazendo, pela primeira vez, as cores como o público nunca tinha visto até então e de imediato passou a adorar. Agora, antes de irmos ao cinema, sempre nos ocorria uma pergunta: “Este filme é colorido?”

               No entanto, Brigitte Bardot não foi apenas um corpo que todos os homens desejavam.

                Por todos esses 85 anos, ela foi uma revolucionária no corpo e na alma, liderando movimentos estéticos e sociais na França e no mundo. No cinema, depois de trabalhar com as ideias de Roger Vadim expondo o corpo feminino, foi atraída pelo cerebral diretor Jean Luc Godard, o criador da “nouvelle vague” francesa, que tinha uma visão diferente ao levar para as telas os grandes dramas humanos, e filmou o celebre desprezo repentino de uma mulher por um homem de quem estava apaixonada, protagonizado por ela e pelo ator Michel Piccoli.

             Aliás, o título desse magistral filme era “O Desprezo”, de 1963, e se tornou mais um grande sucesso mundial de Jean Luc Godard. Tive o prazer de assistir a esse filme no Cine Taguatinga, no centro daquela cidade satélite de Brasília. Para minha tristeza, este cinema não mais existe.

             Jean-Luc Godard liderou uma grandiosa leva de geniais diretores de cinema em seu país. No Brasil, nessa época, explode o “cinema novo” liderado pelo corajoso e avançado baiano Glauber Rocha, que dizia ter apenas “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”.

              Por fim, com a idade lhe abraçando, Brigitte dedicou-se integralmente à causa da defesa dos animais, o que faz até hoje, com seus oitenta e cinco anos.          

        Mas antes da dedicação aos bichos - pássaros, gatos e cães – aqueles de pequeno porte, sem esquecer elefantes, ursos e rinocerontes – estes os de grande porte, Brigitte Bardot viveu sua cota de Brasil, na pequena cidade litorânea de Cabo Frio, ainda desconhecida do próprio país. Ela nos foi trazida por um “playboy” (saudades dessa palavrinha importada, que designava os homens que podiam levar uma boa vida, uma vida na gandaia, dizia-se). Nome do “playboy” felizardo? Lembro ainda, ele era o marroquino conhecido como Bob Zagury. Ficaram famosas as fotos dele divertindo-se com Brigitte nas areias das praias cabo-frienses, aquelas gargalhadas nos causavam inveja - por nada não - apenas pela proximidade daquela desejada mulher.

        Da tão ilustre senhora restou uma estátua em Cabo Frio, erigida pela municipalidade para que ficasse registrada a sensível e pecaminosa passagem da mulher que ofuscou todas as outras reconhecidas personagens femininas daquela época, pelo mundo inteiro. Nenhuma delas, por mais que seus atos e atitudes chamassem a atenção e ganhassem as manchetes dos jornais, revistas e telas dos cinemas, conseguiu superar a figura inesquecível de Brigitte Bardot. Nomes como Ava Gardner, Marilyn Monroe, Rita Hayworth tiveram seus mais de quinze minutos de fama, como consagrou o artista plástico Andy Warhol, mais não conquistaram o ardor dos olhos masculinos como Bardot.

          No entanto, uma tentativa de rejeição surgiu na trajetória brasileira de Brigitte Bardot, criada pela verve carioca dos dourados anos cinquenta no Rio de Janeiro. O carioca daquela época fazia questão de ser reconhecido nacionalmente como um inconteste gozador de pessoas, em especial das personalidades que circulassem pelo seu sagrado território.

           Desse modo, o carioca gozador criou uma frase que se ouvia à boca pequena em todo e qualquer lugar, em qualquer ocasião e pelo mais banal dos motivos, bastando que se invocasse qualquer ato ou atitude da francesinha que apenas passava uns dias no Brasil, ou melhor, nas praias de Cabo Frio: “De novo, aquela chata da Brigitte?” ou então “Lá vem de novo a intrometida da Brigitte!”

             E a presença de Brigitte Bardot resistiu até ao gostoso e irreverente comportamento carioca de querer fazer comentários divertidos ou perversos sobre qualquer pessoa de destaque, uma visão de mundo que desapareceu com a mudança dos tempos em nosso país, hoje tomado por uma violência sem limites que não mais respeita os visitantes estrangeiros, sejam eles celebridades ou simples indivíduos que se assemelham e se misturam ao nosso gentio nacional. A criatividade gozadora foi substituída pela violência praticada à mão armada, com armas de fogo ou armas brancas, a pau e a pedra, com qualquer coisa ao alcance dos meliantes.

         Enfim, Brigitte Bardot resistiu a tudo que procurou fazê-la desistir do seu passeio brasileiro em Cabo Frio, e a nós nos resta apenas lembrar, invocando Voltaire - apenas em parte - que “Il faut toujours aimez-nous les femmes, c’est  le seule moyen du rendre la vie supportable!”
           




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