Será que existe algum tipo de
relação entre o corporativismo e o duo Capitão Cueca e Sancho Pança, o primeiro
deles um ilustre representante de recentes façanhas políticas petistas em nosso
país e o segundo, o reconhecido escudeiro medieval do personagem criado por
Miguel de Cervantes Saavedra, o clássico escritor espanhol do século XVII?
Podemos tentar enxergar tão singular
particularidade estripando fatos recentes acontecidos no Brasil e um pouco da conhecida
personagem criada por Cervantes, como faria Jack, o famoso “serial killer”
londrino do qual nunca conseguiram descobrir a verdadeira identidade.
Inúmeras vezes Sancho Pança,
consagrado modelo universal de serviçal padrão, tentou livrar “El ingenioso hidalgo don Quijote de la
Mancha” de certas situações embaraçosas, mas as suas tentativas para livrar
o inocente e generoso mestre dos imbróglios em que se envolvia sem parar, nunca
vingavam: o quixotesco personagem universal, saído da vivência e da imaginação
de Miguel de Cervantes Saavedra, quando advertido pelo humilde
serviçal, sempre repetia: “No es un hombre mas que outro!”, salvo
melhor interpretação, querendo dizer, com esta simples frase, que todos os homens
têm que ser considerados iguais entre si, em especial quando se tratar de sofrer as
penas das leis vigentes em seu país.
Aqui temos o gancho que nos permite
associar a vinculação entre as aventuras financeiras do Capitão Cueca com as aventuras
espirituais em que o quixotesco personagem de Miguel de Cervantes se envolve
aspirando melhorar ou salvar o mundo, reveladas pelas intervenções de Sancho
Pança, um legítimo representante do povo, ou, se nós estamos corretos, do homem
comum. Ao invés de separar os personagens citados, a secular distância os
aproxima: a grande obra de Cervantes foi publicada em duas partes, a primeira
em 1605, e a segunda somente em 1615. Apenas quatro séculos os separa, mas a
reflexão os aproxima.
No caso dos quixotescos eleitores
brasileiros, que elegem seus representantes políticos na esperança de que eles
entendam que são escolhidos para identificar e encontrar soluções para antigas
demandas sociais, e muito mais ainda, que acreditem que eles não são diferentes
dos demais cidadãos e tampouco adquirem o direito de se colocarem acima das
leis por terem sido eleitos democraticamente, por exemplo, quando agem furtando
o dinheiro que foi arrecadado do povo pelo Estado, o qual não para de coletar
recursos financeiros através de impostos, taxas e contribuições obrigatórias,
cujos montantes são colocados à disposição dos governantes eleitos por sufrágio
universal.
Em poucas palavras, imaginando que a reflexão
quixotesca possa encontrar guarida no
conceito de democracia, entendemos que “o governo do povo e para o povo” exige
absoluta honestidade daqueles que se candidatam para o desempenho de funções
públicas e para a defesa dos interesses e das demandas sociais, que afligem a
cidadania desfavorecida do Brasil em larga escala, como sabemos.
A partir do instante em que assumem a
condição de legítimos representantes legais desse mesmo povo, a democracia exige
que sejam fiscalizados, acompanhados e rigorosamente punidos quando se desviarem
de suas obrigações republicanas no Congresso Nacional, nas Assembleias Estaduais
e nas Câmaras Municipais, e nos governos de todas as esferas do poder
executivo.
Na Itália, em 17 de fevereiro de
1992, a descoberta de esquemas criminosos conduzidos por políticos em conluio
com empresários e burocratas do Estado, deu origem ao combate à corrupção que
se apropriava dos dinheiros públicos disponíveis para atender o financiamento,
em especial, da saúde pública, da educação, dos transportes coletivos, da manutenção
e construção de rodovias e da segurança pública.
Sem freios e já institucionalizada
há décadas, a corrupção pública italiana rivalizava com os feitos das máfias
italianas nos montantes desviados, só que ao invés de explorar a
comercialização das drogas, da prostituição e assaltos à rede bancária, os
políticos corruptos italianos se cevavam nas licitações públicas, fossem elas
de pequeno ou grande porte.
A primeira prisão de um preposto
político corrupto, Mario Chiesa, presidente de uma casa de repouso para idosos,
que negociava a propina com Luca Magni, dono de pequena empresa de limpezas, ocorreu
na cidade de Milão, em um montante de quatorze milhões de liras italianas,
valor calculado sobre um contrato de cento e quarenta milhões de liras, mas que
seria paga em duas parcelas.
Quatorze
milhões de liras italianas é um montante equivalente a três mil reais
brasileiros. Guardemos esta coincidência, que demonstrará como a corrupção
institucionalizada não faz distinção entre pequenas quantias em liras ou reais
e milhões de dólares, na Itália como no Brasil.
Na Itália, o combate à corrupção no interior
das agências públicas recebeu o nome de Mãos Limpas (Mani Pulite), e durou
apenas dois anos, pois foi criada até uma Lei Salva-Corruptos com a finalidade
de encerrá-la.
No Brasil, o combate aos desvios dos
dinheiros públicos, a conhecida Operação Lava Jato, teve seus primórdios no ano
de 2009, e, como na Itália, com a filmagem e apreensão de apenas três mil reais
sendo repassados a um chefe de departamento, nomeado para o cargo por um
político presidente do PTB, o deputado Roberto Jefferson.
A Itália assistiu ao desmonte da operação
Mãos Limpas pelo Primeiro Ministro Silvio Berlusconi, o maior empresário das
telecomunicações em seu país, dono até de grandes equipes futebolísticas, como
a Internazionale de Milão. Os italianos sabem que Berlusconi foi conduzido ao
poder pelos congressistas do país com a finalidade de destruir a Operação Mãos
Limpas, e ele alcançou o feito publicando uma legislação que conseguiu
desmontar o combate à corrupção em seu país.
No Brasil, a Operação Lava Jato vem resistindo
há quatro anos, não obstante as inúmeras tentativas para desestabilizá-la e até
mesmo destruí-la.
A Operação Lava Jato no Brasil, conduzida
por agentes do Ministério Público e pela Polícia Federal, há quatro anos vem
desmentindo a vigência daqueles dois princípios democráticos inseridos na nossa
Constituição – honestidade e respeito às leis -, e demonstra com fundamentos em
abundantes provas materiais (por filmagens e gravações de vídeos autorizadas
pela Justiça brasileira, veiculados por todas as formas e meios de comunicação
à disposição da imprensa), documentais e de testemunhos presenciais, o quanto
os políticos nacionais, associados a empresários ambiciosos e contando com a
ajuda de burocratas inescrupulosos, do serviço público e de agências estatais,
têm assaltado as finanças públicas que por lei e por obrigação legítima deviam velar
com o maior respeito, carinho e cuidado.
A telemática, com o advento do
celular e do computador pessoal, democratizou o fácil e instantâneo acesso dos
cidadãos eleitores a qualquer denúncia que envolva os políticos, quer ocupem
funções no poder legislativo ou no poder executivo, em qualquer uma das esferas
do poder. E o poder judiciário também entra no alcance da telemática, e não
podemos deixá-la de fora dessa nossa reflexão sobre a corrupção que invadiu as
organizações complexas do Estado brasileiro.
Assim, o acúmulo de denúncias
revelando o comportamento corrupto de inúmeros parlamentares e alguns governantes
têm fortalecido a vontade dos cidadãos de todas as classes sociais de abordar
essa gente, sempre que eles dividam o espaço público com as pessoas comuns, nas
ruas, nos restaurantes e, em especial, nos aviões, sendo este último o lugar
ideal para esse tipo de desabafo do eleitor que se sente enganado pelas
promessas de campanha do político, afinal as aeronaves têm ambiente reduzido e
não permitem uma fuga repentina do espaço físico.
No recente rol de abordados por cidadãos
revoltados com os permanentes assaltos aos cofres públicos, encontra-se o
deputado petista Zé Guimarães, irmão do célebre José Genuíno, que teve que
ouvir do seu acusador, durante um voo de Fortaleza para Brasília, toda a repetição
da estória de um assessor da equipe do parlamentar apanhado com dólares na
cueca, além de uma mala com mais duzentos mil reais quando saia de um prédio em
São Paulo.
Um vídeo feito pelo celular do
corajoso brasileiro que o abordou é muito claro e audível, e espalhou-se
rapidamente por todo o Brasil. Mas o ponto alto da carraspana foi o apelido
cunhado e gritado aos ouvidos do acusado: “Capitão Cueca! Você é um ladrão e um
covarde! Não tem coragem de se defender!”
Enquanto ouvia a terrível
reprimenda, o deputado apenas filmou com o celular o revoltado cidadão e afirmou
que o processaria, com uma voz muito baixa, que denunciava o medo que lhe
acometia aquele inesperado ataque.
A repercussão dessa abordagem foi muito
forte e alcançou os rincões mais longínquos do Brasil, gerando um apoio
incondicional de grande parte da população mais esclarecida em matéria de
política ao corajoso brasileiro que ousou praticá-la. Um grande empresário
vestiu uma cueca recheada de falsos dólares sobre as calças, e assim veiculou
um vídeo em que aparece dessa forma caracterizado, parabenizando o corajoso
brasileiro e pondo à sua disposição todo o núcleo de advogados da sua empresa
para defender este moderno Sancho Pança.
Por outro lado, na Câmara
dos Deputados, o presidente Rodrigo Maia, do DEM do Rio de Janeiro,
solidarizou-se pronta e energicamente contra o ato descrito nos parágrafos
anteriores, declarando-o uma falta de respeito a uma autoridade parlamentar.
O gesto de solidariedade
de Rodrigo Maia pode custar-lhe muito caro, pois os cidadãos conscientes que
guardam em suas mentes os atos de desonestidade cometidos por parlamentares e
políticos brasileiros nos últimos tempos, nos cenários do Mensalão e do
Petrolão na Petrobras, mostrados nas telas dos jornais televisivos quase que
diariamente, poderão torná-lo um candidato a sério à nova abordagem no estreito
espaço de uma aeronave, ou de um ônibus, ou mesmo nos seus deslocamentos pelos
corredores da Casa Congressual.
Rodrigo Maia e uma grande parte dos
parlamentares parecem não querer aceitar a nova realidade que toma conta do
Brasil: os brasileiros estão cada vez mais conscientes de que para ser
político, não basta parecer honesto, tem que ser honesto, e demonstrá-lo
durante as vinte e quatro horas do dia, pela manhã, à tarde, à noite e até de
madrugada, todos os dias da semana, em todos os seus atos e oportunidades
políticas.
Como pedir respeito ao Geddel
Vieira Lima, um ex-deputado federal que foi todo poderoso no Congresso Nacional
e na Casa Civil do Palácio do Planalto, além de ter exercido cargos de direção
na Caixa Econômica Federal, nomeado por ex-presidentes da República, que
escondeu, em um apartamento de um amigo, uma fortuna no valor de prêmio
acumulado de loteria, em um montante de 51 milhões de reais, entre os quais o
correspondente a mais de dois milhões de reais contados pela Polícia Federal em
dólares e euros?
Como exigir respeito
a figuras sinistras desse Congresso Nacional que se tornam acompanhantes das
peripécias de gente como um conhecido e incorrigível ex-presidente da
República, do ex-chefe da Casa Civil, dessa mesma presidência da República, José
Dirceu, de Delcídio do Amaral, Cândido Vacarezza, Romero Jucá, Eduardo Alves, Eduardo
Cunha, Severino Cavalcanti, Luiz Estevão, Gim Argelo e tantos outros parlamentares
e ex-parlamentares, todos condenados pela justiça ou repudiados pelas urnas?
Como querer
respeito pelo deputado federal Rocha Loures, lotado na Presidência da
República, servindo ao presidente Michel Temer, que perambulou pelas ruas de
São Paulo muito assustado e carregando uma mala recheada com 500 mil reais, que
tinham como destinatário um ex-presidente, e quando a Policia Federal resgatou
a tal mala na casa da mãe do parlamentar, o malfadado objeto já havia sido aliviado
em trinta e cinco mil reais, como constatou a Polícia Federal? Será que é
verdade o que ensina o dito popular que “Ladrão que rouba ladrão, tem cem anos
de perdão”? Enfim, ainda bem que não
desconfiaram da mãe do deputado!
Ainda no caso do
Geddel Vieira Lima, como pedir respeito ao irmão, também parlamentar federal pelo
estado da Bahia, ou à própria mãe dos parlamentares, se todos eles, de início, foram
indiciados pelos investigadores policiais?
Por último, mas não
de menor importância, concluímos este longo artigo com uma reflexão sobre o
corporativismo.
O corporativismo, cuja prática
consiste na defesa exclusiva dos próprios interesses profissionais por parte de
uma determinada categoria, revela o espírito de corpo dominante na Câmara dos
Deputados em Brasília, e ele também está presente no Senado Federal e até no
Supremo Tribunal Federal.
Assim, a atitude do deputado Rodrigo Maia,
apoiando o Capitão Cueca e defendendo o indefensável, é reveladora da forte
presença desse comportamento corporativista naquela Casa parlamentar, e só nos
resta lamentar que a classe política brasileira ainda não se tenha dado conta
de que o cidadão da era da telemática, um moderno Sancho Pança, portador de um
simples celular, não admite este tipo de corporativismo parlamentar, e hoje- mais
atento do que nunca esteve em outros tempos ao comportamento dos políticos - não
vai parar de fustigá-los sempre que forem identificados cometendo ilícitos, em
especial contra os cofres públicos.
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