segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Capitão Cueca, Sancho Pança e o corporativismo


         Será que existe algum tipo de relação entre o corporativismo e o duo Capitão Cueca e Sancho Pança, o primeiro deles um ilustre representante de recentes façanhas políticas petistas em nosso país e o segundo, o reconhecido escudeiro medieval do personagem criado por Miguel de Cervantes Saavedra, o clássico escritor espanhol do século XVII?

          Podemos tentar enxergar tão singular particularidade estripando fatos recentes acontecidos no Brasil e um pouco da conhecida personagem criada por Cervantes, como faria Jack, o famoso “serial killer” londrino do qual nunca conseguiram descobrir a verdadeira identidade. 

         Inúmeras vezes Sancho Pança, consagrado modelo universal de serviçal padrão, tentou livrar “El ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha” de certas situações embaraçosas, mas as suas tentativas para livrar o inocente e generoso mestre dos imbróglios em que se envolvia sem parar, nunca vingavam: o quixotesco personagem universal, saído da vivência e da imaginação de Miguel de Cervantes Saavedra, quando advertido pelo humilde serviçal, sempre repetia: “No es un hombre mas que outro!”, salvo melhor interpretação, querendo dizer, com esta simples frase, que todos os homens têm que ser considerados iguais entre si,  em especial quando se tratar de sofrer as penas das leis vigentes em seu país. 

         Aqui temos o gancho que nos permite associar a vinculação entre as aventuras financeiras do Capitão Cueca com as aventuras espirituais em que o quixotesco personagem de Miguel de Cervantes se envolve aspirando melhorar ou salvar o mundo, reveladas pelas intervenções de Sancho Pança, um legítimo representante do povo, ou, se nós estamos corretos, do homem comum. Ao invés de separar os personagens citados, a secular distância os aproxima: a grande obra de Cervantes foi publicada em duas partes, a primeira em 1605, e a segunda somente em 1615. Apenas quatro séculos os separa, mas a reflexão os aproxima.

            No caso dos quixotescos eleitores brasileiros, que elegem seus representantes políticos na esperança de que eles entendam que são escolhidos para identificar e encontrar soluções para antigas demandas sociais, e muito mais ainda, que acreditem que eles não são diferentes dos demais cidadãos e tampouco adquirem o direito de se colocarem acima das leis por terem sido eleitos democraticamente, por exemplo, quando agem furtando o dinheiro que foi arrecadado do povo pelo Estado, o qual não para de coletar recursos financeiros através de impostos, taxas e contribuições obrigatórias, cujos montantes são colocados à disposição dos governantes eleitos por sufrágio universal.   

            Em poucas palavras, imaginando que a reflexão quixotesca possa encontrar guarida      no conceito de democracia, entendemos que “o governo do povo e para o povo” exige absoluta honestidade daqueles que se candidatam para o desempenho de funções públicas e para a defesa dos interesses e das demandas sociais, que afligem a cidadania desfavorecida do Brasil em larga escala, como sabemos.

            A partir do instante em que assumem a condição de legítimos representantes legais desse mesmo povo, a democracia exige que sejam fiscalizados, acompanhados e rigorosamente punidos quando se desviarem de suas obrigações republicanas no Congresso Nacional, nas Assembleias Estaduais e nas Câmaras Municipais, e nos governos de todas as esferas do poder executivo.

            Na Itália, em 17 de fevereiro de 1992, a descoberta de esquemas criminosos conduzidos por políticos em conluio com empresários e burocratas do Estado, deu origem ao combate à corrupção que se apropriava dos dinheiros públicos disponíveis para atender o financiamento, em especial, da saúde pública, da educação, dos transportes coletivos, da manutenção e construção de rodovias e da segurança pública.

            Sem freios e já institucionalizada há décadas, a corrupção pública italiana rivalizava com os feitos das máfias italianas nos montantes desviados, só que ao invés de explorar a comercialização das drogas, da prostituição e assaltos à rede bancária, os políticos corruptos italianos se cevavam nas licitações públicas, fossem elas de pequeno ou grande porte.

             A primeira prisão de um preposto político corrupto, Mario Chiesa, presidente de uma casa de repouso para idosos, que negociava a propina com Luca Magni, dono de pequena empresa de limpezas, ocorreu na cidade de Milão, em um montante de quatorze milhões de liras italianas, valor calculado sobre um contrato de cento e quarenta milhões de liras, mas que seria paga em duas parcelas.

              Quatorze milhões de liras italianas é um montante equivalente a três mil reais brasileiros. Guardemos esta coincidência, que demonstrará como a corrupção institucionalizada não faz distinção entre pequenas quantias em liras ou reais e milhões de dólares, na Itália como no Brasil.

           Na Itália, o combate à corrupção no interior das agências públicas recebeu o nome de Mãos Limpas (Mani Pulite), e durou apenas dois anos, pois foi criada até uma Lei Salva-Corruptos com a finalidade de encerrá-la.

           No Brasil, o combate aos desvios dos dinheiros públicos, a conhecida Operação Lava Jato, teve seus primórdios no ano de 2009, e, como na Itália, com a filmagem e apreensão de apenas três mil reais sendo repassados a um chefe de departamento, nomeado para o cargo por um político presidente do PTB, o deputado Roberto Jefferson.

           A Itália assistiu ao desmonte da operação Mãos Limpas pelo Primeiro Ministro Silvio Berlusconi, o maior empresário das telecomunicações em seu país, dono até de grandes equipes futebolísticas, como a Internazionale de Milão. Os italianos sabem que Berlusconi foi conduzido ao poder pelos congressistas do país com a finalidade de destruir a Operação Mãos Limpas, e ele alcançou o feito publicando uma legislação que conseguiu desmontar o combate à corrupção em seu país.

          No Brasil, a Operação Lava Jato vem resistindo há quatro anos, não obstante as inúmeras tentativas para desestabilizá-la e até mesmo destruí-la.

                    A Operação Lava Jato no Brasil, conduzida por agentes do Ministério Público e pela Polícia Federal, há quatro anos vem desmentindo a vigência daqueles dois princípios democráticos inseridos na nossa Constituição – honestidade e respeito às leis -, e demonstra com fundamentos em abundantes provas materiais (por filmagens e gravações de vídeos autorizadas pela Justiça brasileira, veiculados por todas as formas e meios de comunicação à disposição da imprensa), documentais e de testemunhos presenciais, o quanto os políticos nacionais, associados a empresários ambiciosos e contando com a ajuda de burocratas inescrupulosos, do serviço público e de agências estatais, têm assaltado as finanças públicas que por lei e por obrigação legítima deviam velar com o maior respeito, carinho e cuidado.

             A telemática, com o advento do celular e do computador pessoal, democratizou o fácil e instantâneo acesso dos cidadãos eleitores a qualquer denúncia que envolva os políticos, quer ocupem funções no poder legislativo ou no poder executivo, em qualquer uma das esferas do poder. E o poder judiciário também entra no alcance da telemática, e não podemos deixá-la de fora dessa nossa reflexão sobre a corrupção que invadiu as organizações complexas do Estado brasileiro.

              Assim, o acúmulo de denúncias revelando o comportamento corrupto de inúmeros parlamentares e alguns governantes têm fortalecido a vontade dos cidadãos de todas as classes sociais de abordar essa gente, sempre que eles dividam o espaço público com as pessoas comuns, nas ruas, nos restaurantes e, em especial, nos aviões, sendo este último o lugar ideal para esse tipo de desabafo do eleitor que se sente enganado pelas promessas de campanha do político, afinal as aeronaves têm ambiente reduzido e não permitem uma fuga repentina do espaço físico.  

               No recente rol de abordados por cidadãos revoltados com os permanentes assaltos aos cofres públicos, encontra-se o deputado petista Zé Guimarães, irmão do célebre José Genuíno, que teve que ouvir do seu acusador, durante um voo de Fortaleza para Brasília, toda a repetição da estória de um assessor da equipe do parlamentar apanhado com dólares na cueca, além de uma mala com mais duzentos mil reais quando saia de um prédio em São Paulo.

                Um vídeo feito pelo celular do corajoso brasileiro que o abordou é muito claro e audível, e espalhou-se rapidamente por todo o Brasil. Mas o ponto alto da carraspana foi o apelido cunhado e gritado aos ouvidos do acusado: “Capitão Cueca! Você é um ladrão e um covarde! Não tem coragem de se defender!”

                  Enquanto ouvia a terrível reprimenda, o deputado apenas filmou com o celular o revoltado cidadão e afirmou que o processaria, com uma voz muito baixa, que denunciava o medo que lhe acometia aquele inesperado ataque.

                  A repercussão dessa abordagem foi muito forte e alcançou os rincões mais longínquos do Brasil, gerando um apoio incondicional de grande parte da população mais esclarecida em matéria de política ao corajoso brasileiro que ousou praticá-la. Um grande empresário vestiu uma cueca recheada de falsos dólares sobre as calças, e assim veiculou um vídeo em que aparece dessa forma caracterizado, parabenizando o corajoso brasileiro e pondo à sua disposição todo o núcleo de advogados da sua empresa para defender este moderno Sancho Pança.

                   Por outro lado, na Câmara dos Deputados, o presidente Rodrigo Maia, do DEM do Rio de Janeiro, solidarizou-se pronta e energicamente contra o ato descrito nos parágrafos anteriores, declarando-o uma falta de respeito a uma autoridade parlamentar.

                      O gesto de solidariedade de Rodrigo Maia pode custar-lhe muito caro, pois os cidadãos conscientes que guardam em suas mentes os atos de desonestidade cometidos por parlamentares e políticos brasileiros nos últimos tempos, nos cenários do Mensalão e do Petrolão na Petrobras, mostrados nas telas dos jornais televisivos quase que diariamente, poderão torná-lo um candidato a sério à nova abordagem no estreito espaço de uma aeronave, ou de um ônibus, ou mesmo nos seus deslocamentos pelos corredores da Casa Congressual.             

                       Rodrigo Maia e uma grande parte dos parlamentares parecem não querer aceitar a nova realidade que toma conta do Brasil: os brasileiros estão cada vez mais conscientes de que para ser político, não basta parecer honesto, tem que ser honesto, e demonstrá-lo durante as vinte e quatro horas do dia, pela manhã, à tarde, à noite e até de madrugada, todos os dias da semana, em todos os seus atos e oportunidades políticas.

                      Como pedir respeito ao Geddel Vieira Lima, um ex-deputado federal que foi todo poderoso no Congresso Nacional e na Casa Civil do Palácio do Planalto, além de ter exercido cargos de direção na Caixa Econômica Federal, nomeado por ex-presidentes da República, que escondeu, em um apartamento de um amigo, uma fortuna no valor de prêmio acumulado de loteria, em um montante de 51 milhões de reais, entre os quais o correspondente a mais de dois milhões de reais contados pela Polícia Federal em dólares e euros?

                          Como exigir respeito a figuras sinistras desse Congresso Nacional que se tornam acompanhantes das peripécias de gente como um conhecido e incorrigível ex-presidente da República, do ex-chefe da Casa Civil, dessa mesma presidência da República, José Dirceu, de Delcídio do Amaral, Cândido Vacarezza, Romero Jucá, Eduardo Alves, Eduardo Cunha, Severino Cavalcanti, Luiz Estevão, Gim Argelo e tantos outros parlamentares e ex-parlamentares, todos condenados pela justiça ou repudiados pelas urnas?

                             Como querer respeito pelo deputado federal Rocha Loures, lotado na Presidência da República, servindo ao presidente Michel Temer, que perambulou pelas ruas de São Paulo muito assustado e carregando uma mala recheada com 500 mil reais, que tinham como destinatário um ex-presidente, e quando a Policia Federal resgatou a tal mala na casa da mãe do parlamentar, o malfadado objeto já havia sido aliviado em trinta e cinco mil reais, como constatou a Polícia Federal? Será que é verdade o que ensina o dito popular que “Ladrão que rouba ladrão, tem cem anos de perdão”?  Enfim, ainda bem que não desconfiaram da mãe do deputado!

                            Ainda no caso do Geddel Vieira Lima, como pedir respeito ao irmão, também parlamentar federal pelo estado da Bahia, ou à própria mãe dos parlamentares, se todos eles, de início, foram indiciados pelos investigadores policiais?

                           Por último, mas não de menor importância, concluímos este longo artigo com uma reflexão sobre o corporativismo.

             O corporativismo, cuja prática consiste na defesa exclusiva dos próprios interesses profissionais por parte de uma determinada categoria, revela o espírito de corpo dominante na Câmara dos Deputados em Brasília, e ele também está presente no Senado Federal e até no Supremo Tribunal Federal.

              Assim, a atitude do deputado Rodrigo Maia, apoiando o Capitão Cueca e defendendo o indefensável, é reveladora da forte presença desse comportamento corporativista naquela Casa parlamentar, e só nos resta lamentar que a classe política brasileira ainda não se tenha dado conta de que o cidadão da era da telemática, um moderno Sancho Pança, portador de um simples celular, não admite este tipo de corporativismo parlamentar, e hoje- mais atento do que nunca esteve em outros tempos ao comportamento dos políticos - não vai parar de fustigá-los sempre que forem identificados cometendo ilícitos, em especial contra os cofres públicos.  

                             

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Lembre-se, você é responsável por sua opinião publicada neste blog!