segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Uma anistia ampla, geral e irrestrita dos discursos para a defesa do meio ambiente


     Na defesa do meio ambiente, devemos ser nacionalistas ou patriotas? Ou devemos pautar nossas observações sobre questões ambientais nas análises internacionalistas de ONGs e de líderes políticos de renome, tais como os presidentes de países mais ricos e desenvolvidos do mundo?

      Uma terceira dúvida nos aflige: qual o limite para nos inserirmos no processo de globalização para o qual os países mais afluentes e poderosos do mundo nos convidam?

       Já vivemos tempos em que o nacionalismo era a palavra de ordem: Adolf Hitler era um nacionalista fervoroso. Um líder nacionalista pensa sempre sobre poder, vitória, derrota e vingança e tende a não se interessar pelo que acontece no mundo real. Nas palavras de Danilo Kish, o nacionalismo “não tem valores universais, estéticos ou éticos”. Donald Trump é um exemplo de líder nacionalista, para ele os Estados Unidos estão em primeiro lugar, acima de tudo e de todos, não lhe interessando as reais condições do mundo fora do seu território. Sem pestanejar Donald Trump ordenou a retirada das tropas norte-americanas do território curdo, deixando aquele povo completamente abandonado perante o forte e cruel exército turco, um dos maiores do mundo.

        O conceito de patriotismo é muito mais limitado: um líder que defende o patriotismo está preocupado com o que o mundo real pensa sobre o seu país, e quando necessário defende o seu território com fundamento no princípio de soberania que lhe é pertinente frente às demais nacionalidades.

         O vigente modelo de globalização possui a amplitude necessária para sobrepor-se às noções de soberania nacional e ao conceito de patriotismo: por exemplo, as Organizações Não Governamentais, que surgem como um modismo incontrolável da nova forma de dominação global, que pode ser criado e financiado com recursos estrangeiros para funcionarem legalmente dentro dos territórios nacionais, constituindo uma forma sutil e sub-reptícia de superação das decisões patrióticas e soberanas que se insurgem contra propostas de impedimento das únicas saídas para o desenvolvimento de uma sociedade complexa, como o Brasil, por exemplo, que tem por obrigação explorar com racionalidade as riquezas do seu solo amazônico, correspondente a 51% do território nacional. As ONGs atacaram impiedosamente o governo brasileiro por causa das seculares queimadas amazônicas, velhas de cinco séculos, ainda que hoje acionadas também por mineradores e fazendeiros, que o Brasil combate com tropas e polícia federal.

          Deixando por algum tempo as reflexões conceituais, adentremos o mundo real das manchas de óleo que invadiram todo o litoral nordestino brasileiro nos últimos dois meses deste ano da graça de 2019.

           É muito grave a agressão ao litoral brasileiro nos últimos sessenta dias. Apesar dos esforços da Marinha brasileira, acionada por ordem do poder executivo nacional, ainda não conseguimos rastrear e identificar a embarcação responsável pelo despejo, em alto mar, segundo os cálculos divulgados, de cerca de 500 barris de petróleo que continuam invadindo as mais de 250 praias brasileiras e se alojando em bancos de corais e manguezais, além de atingirem peixes e tartarugas, numa mortandade que nos entristece e assusta.

           No entanto, frente a tamanho desastre ambiental, Angela Merkel, a ativa presidente alemã, nem tampouco o presidente francês, Emanuel Macron, um líder que se disse preocupado com as queimadas no nosso território amazônico, ou qualquer outra importante liderança mundial disse uma palavra sequer em apoio ao Brasil.

            E as tantas ONGs estabelecidas no território nacional, como reagiram a esta devastadora ocorrência contra a natureza no território brasileiro?

            Ora, as tais ONGs reagiram pondo toda a culpa no atual governo brasileiro! Fizeram um movimento defronte ao Palácio do Planalto para mostrar a incompetência das autoridades nacionais em reagir apenas à sujeira das praias, nada disseram sobre a provável autoria do derramamento das prováveis centenas de barris que causaram todo aquele desastre ambiental, puseram toda a culpa no governo de Jair Bolsonaro.

               E as grandes organizações mundiais, como a ONU e a UNESCO, como reagiram a mais este desastre ambiental? Ora, a UNESCO, somente agora, dois meses depois do acontecimento, veio à luz dar o ar da sua graça.

               E a imprensa nacional, como vem reagindo a toda esta lambança contra o Brasil?

                Ora, a imprensa brasileira não deixou de fustigar o governo, apontando a falta de ações de combate governamental ao terrível desastre, apontando não os prováveis responsáveis pelo derramamento do óleo, mas, como as ONGs, o descuido do governo federal por não dispor de um plano emergencial para dar atenção à sujeira das praias. Sobre a responsabilidade dos governos estaduais em também apresentarem planos de combate ao incidente no mar e nas praias, nem uma palavra sequer. É como se apenas fosse de responsabilidade federal as propostas de soluções para os inúmeros problemas decorrentes de tamanha agressão ao meio ambiente litorâneo do Brasil.

                  Afinal, surgiu alguma evidência da responsabilidade por esta agressão ao território brasileiro? Sim, reconhecidas instituições de pesquisa apontaram a origem do óleo derramado em alto mar: o petróleo tem origem venezuelana, seu DNA é venezuelano! Que ineludível  coincidência!

                  No entanto, para surpresa de todos nós, brasileiros e estrangeiros, nem as ONGs nem a imprensa apoiaram este indicativo científico. Ambas as organizações ignoraram tão forte evidência da responsabilidade pelo derramamento que segue açoitando a costa marítima do Brasil.

                Pior ainda, alimentaram o noticiário que afirmou que o derramamento de todo esse petróleo foi causado por um vazamento de uma embarcação da Shell Petroleum, no alto mar, uma clara demonstração de descuido não só no transporte dessa mercadoria, mas também no seu descarte.

               Fico imaginando se a Shell, que comprou concessões de lotes do pré-sal brasileiro, for irresponsável, incompetente e descuidada na exploração desse petróleo nas profundezas do mar e deixar que ocorram vazamentos que alcançarão o litoral nacional. Este, sim, será um desastre irreversível que inviabilizará o desenvolvimento do país por décadas!

                Um governo patriota afirmará, com ou sem planos emergenciais para este tipo de enfrentamento, que isso pode acontecer aqui entre nós, mas que vamos lutar para impedir que tamanho desastre nos aflija outras vezes no futuro próximo.

                  E para cuidarmos da prevenção de desastres ambientais semelhantes precisaremos de investimentos vultosos em embarcações de guerra para proteger e fiscalizar o imenso mar brasileiro das duzentas milhas territoriais, que pretendemos aumentar. Pela sua imensidão necessitaremos de pelo menos seis submarinos atômicos e dois porta-aviões, além de barcos mais ligeiros, de pequeno e de grande porte. Ou fazemos este investimento, ou continuaremos correndo o risco permanente de outros “vazamentos” alcançarem o litoral do nosso território.

               Até imagino a reação da imprensa brasileira a esse tipo de sugestão de defesa do nosso imenso território nacional pela presença de barcos de guerra em nosso mar territorial, muito embora ela nada comente sobre a compra de enormes quantidades de armamentos pela Venezuela, prontamente distribuídos à população civil daquele país, além de aviões e carros de guerra, adquiridos da Rússia de Vladimir Putin, que dessa forma tem um pé metido na porta escancarada da América Latina.

               É obrigatório afirmar que ou o Brasil se prepara para defender seus territórios – o continental, o amazônico e o marítimo - ou nos tornaremos presa fácil das grandes nações guerreiras do mundo moderno: os EUA, a Rússia e a China.

              Numa só frase, ou o Brasil e seus governantes pensam patrioticamente em se fazer um grande país ou nos tornaremos eternos prisioneiros dos países ricos e poderosos e dominadores do processo de globalização mundial.

               Compete ao governo brasileiro aliar-se aos Estados Unidos, ainda que sob a batuta nacionalista de Donald Trump, pois, como dizia Foster Dulles, um diplomata norte-americano, “um país não tem amigos, tem aliados”, para adquirirmos dois porta-aviões, que, em nossas mãos, ajudarão aquele país a vigiar o Atlântico Sul, pois isto até aliviará a enorme despesa  norte-americana com gastos militares para a manutenção da liderança mundial que divide com a Rússia de Vladimir Putin e a China de Xi Jinping. Quanto à meia dúzia de submarinos atômicos que necessitamos, estamos investindo em sua construção e logo os teremos à nossa disposição.

             Enfim, não devemos chorar pelo óleo derramado, pois ele servirá, em última instância, como mais um alerta para, no contexto de uma junção ampla e irrestrita dos discursos cotidianos, seguirmos lutando pela construção de um Brasil do tamanho que o nosso povo merece, com o devido patriotismo que certas organizações e pessoas esquecem, encantados pelos modismos criados pelo processo de globalização que não nos interessa.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

A China, o positivismo jurídico e a defesa do indefensável no país do futuro


          Neste eterno país do futuro, esperamos com paciência pela chegada daquilo que nunca fomos, e que com certeza nunca seremos, se dependermos de ações parlamentares para as mudanças legais que devam emanar do nosso mais que conservador Congresso Nacional.

          O arcabouço jurídico nacional, criado sob a inspiração do positivismo fundado por Auguste Comte, citado desde logo no centro da bandeira nacional – Ordem e Progresso -, cuja Ordem tem servido para defender criminosos do colarinho branco, encobrir falcatruas e livrar das penas inscritas nos Códigos Penal e Civil e naquelas do Processo Penal e do Processo Civil, aos cidadãos que se abrigam nas brechas dessas leis superiores – graças a toda uma parafernália de recursos jurídicos à disposição de quem pode sustentá-los à custa de muito dinheiro - e cujo Progresso chega sempre de forma muito lenta para diminuir a brecha maior e insuportável das diferenças provocadas pela infame distribuição da riqueza à brasileira.

            O principal argumento que dá sustentação ao positivismo jurídico nacional, na visão dos brasileiros, é o da liberdade da individualidade do cidadão, em outras palavras, do respeito aos direitos humanos consubstanciado no direito de fazer o que a lei permite, e desse entrelaçado jogo vocabular as pessoas se aproveitam para navegar com seus interesses que não levam em conta os interesses da maioria carente da sociedade, contando, é óbvio, com a abrangência e oportunismo da legislação vigente.

              E um juiz do Supremo Tribunal Federal, um bedegueba bazofiador, com sua face autoritária de um semideus e seu beicinho que lembra a beiçoca do índio Raoni, destaca-se como o maior libertador de milionários criminosos do colarinho branco, utilizando-se do que prescreve toda a legislação penal e civil brasileira, a começar pela Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã, eivada de conceitos e princípios positivistas.

              Mas no Brasil de hoje, o juiz que arrosta a cidadania que não concorda com decisões embasadas no positivismo, que livram os poderosos que podem pagar por caríssimas defesas com argumentos que se sobrepõem às leis vigentes, estão sendo vaiados e verbalmente agredidos nos recintos fechados dos aviões e até nos estádios de futebol. Como mostram os registros de vídeo, apenas um juiz é unanimidade na aprovação popular, Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, que é aplaudido de pé em qualquer lugar em que se faça presente.

              Mas algo se salva do positivismo jurídico brasileiro: a condenação em Segunda Instância, por exemplo, que já foi aprovada até pelos juízes do Supremo Tribunal Federal. De repente uma surpresa nos telejornais: o STF cogita voltar atrás numa decisão tomada anteriormente sobre este mesmo tipo de condenação, valendo-se de uma interpretação fundamentada na Carta Magna de 1988, e enquanto não houver mais um julgamento, não mais poderá haver prisões após uma decisão de uma segunda instância judicial. Será este o modo mais justo de uma Corte Suprema trabalhar com o conceito de segurança jurídica?  
            
             Com certeza o condenado em segunda instância que puder (seja ele político, do colarinho branco, narcotraficante ou assaltante de bancos), fatalmente apelará para os inúmeros recursos jurídicos à sua disposição, e com a ajuda da protelação do tempo eliminará a validade da pena a que foi sentenciado. Bom demais para os poderosos condenados à prisão neste país do jeitinho, não é mesmo?
             A legislação trabalhista positivista, por sua vez, imposta por Getúlio Vargas, o cognominado “pai dos pobres”, desde 1943, legou-nos uma herança maldita, da qual a sociedade do desempenho, que substituiu a sociedade da disciplina do seu tempo, não consegue se desligar.

              Getúlio Vargas criou o salário mínimo, o que nos faz imaginar como deveriam ser as condições sub-humanas de sobrevivência antes da sua obrigatoriedade. Em compensação, as elites econômicas e financeiras deste “meu Brasil, brasileiro” o atrelaram ao seu modus vivendi e, de modo engenhoso, o utilizam como parâmetro econômico e financeiro e guia-mestre do funcionamento de todo o sistema econômico nacional, com especial atenção para o setor financeiro e bancário, especialista em nos cobrar juros de 400 a 500% ao ano, pelos maus serviços que nos presta.

                 Enquanto isso, os países mais avançados pagam a seus assalariados com fundamento não apenas em um salário mínimo, mas levando-se em conta o nível de desempenho dos indivíduos que emprega. Ah! Mas eles dispõem de uma moeda forte! Dizem os nossos financistas. Que maravilhosa descoberta dos nossos gênios da economia financeira!

                Afinal, o capitalismo engenhoso descobriu que a sociedade da disciplina era muito autoritária e fundamentada numa só função de trabalho, dependente da contagem dos tempos tayloristas. Enfim, considerado ultrapassado o antigo modelo, melhor seria uma sociedade do desempenho, que se diz sustentada no conhecimento tecnológico, e na qual o trabalhador passa a ser o senhor dos seus atos medidos pela produtividade, e num jeitoso arranjo que faz os indivíduos desempenharem não apenas uma função, mas várias outras de interesse da empresa, fazendo-se, por esse novo meio, escravo de si mesmo.

            Na sociedade do desempenho tu te tornas eternamente responsável pelo nível de produtividade da profissão que te cativa, e, nesta novíssima fase, és responsável por inúmeras funções para receber o mesmo mísero salário mínimo. O que será que o capitalismo brasileiro inventará para suceder a esta sociedade do desempenho? Quem sobreviver, com certeza verá a próxima novidade.

                  E o Congresso Nacional, cujos titulares, eleitos legal e legitimamente pelo voto livre e universal, conhecendo a fundo as manhas e artimanhas das elites dominantes do país, estão sempre apresentando propostas legais de mudanças que, lentamente, “mudam para nada mudar”, pois sabem que “se não o fizermos, o povo o fará”, como ensina Giuseppe Tomasi di Lampedusa em “Il Gattopardo”. Ver o filme, de 1963, dirigido por Luchino Visconti, é mais rápido que ler o livro. Vale a pena, é uma boa adaptação da obra escrita entre 1954 e 1957.

                 Quanto às verdadeiras mudanças na legislação penal e civil, requeridas pelos novos tempos, de novos crimes do colarinho branco engendrados com a ajuda da telemática, eles se recusam a discutir. E aquelas outras mudanças, já vigentes em outros ordenamentos jurídicos, importadas pelo judiciário brasileiro, como as anglo-saxônicas e norte-americanas adaptadas e incorporadas pelos juízes da operação Lava Jato, os parlamentares brasileiros caminham no sentido de não aceitar que sejam inseridas no positivismo jurídico nacional.

                 Ora, o Brasil necessita de outras urgentes mudanças estruturais para não só acompanhar o novo mundo da tecnologia que domina os países mais avançados, mas principalmente recuperar todo o tempo incrivelmente perdido pelos usos e abusos de suas elites governantes, pelo menos no último século.
                   Nesse sentido, do avanço tecnológico, nunca avançaremos como necessitamos se não nos decidirmos pelo investimento massivo e maciço em educação, pelo menos no médio prazo.
                   No entanto, como fazê-lo se não dispomos de recursos financeiros para tamanho desafio, se tivemos, nos últimos tempos, governos que dilapidaram as finanças públicas com uma visão ideológica de mundo ultrapassada e contrária ao nacionalismo para o qual, com muito atraso, só agora, com as últimas eleições, fomos despertados?

                   E com este Congresso Nacional, atolado em convescotes que defendem a indefensável corrupção que envolve inúmeros parlamentares em ambas as Casas, tudo leva a crer que somente novas eleições renovadoras que eliminem uma incrível corja de indivíduos que só pensam em seus próprios interesses, sem qualquer compromisso com o destino da nação, que só querem do eleitor o voto que os elege, só nos resta esperar e confiar que o tempo seja senhor da razão e os eleitores nos livrem dessa gente, fazendo uma limpeza geral no poder Legislativo como a cidadania exige e jamais foi feita antes.

                    Para concluir, e o título deste longo texto nos obriga - temos que falar um pouco sobre a China contemporânea com seus avanços na área da engenharia civil, e um pouco também sobre o desempenho dos políticos naquele país, mais uma vez o centro do mundo.

                     E por que falar pouco sobre a política e os políticos chineses de hoje?

                     Porque todos nós sabemos que a China totalitária de Mao Tsé-Tung não é a mesma de Deng Xiaoping recebida pela liderança de Xi Jinping, seu atual presidente e secretário geral do partido comunista chinês. A China de hoje não é mais aquela desenhada pelo comunismo maoísta, o antigo Império do Meio transformou-se em um estado autoritário moderno e altamente capitalista que caminha para ser o país mais poderoso do planeta em termos econômicos, financeiros e tecnológicos, superando os Estados Unidos da América.

                       A China é governada por políticos compromissados com o destino da nação, altamente autoritários, como mostra o modelo de governança que assumiram frente ao mundo, mas um exemplo de sucesso econômico, financeiro e tecnológico que assusta aos demais estados pela sua competência. Existe democracia na China? Sim, existe democracia na China, aquela que o partido único e os políticos chineses criaram, e o povo assumiu.

            Enquanto Deng Xiaoping dizia que “não interessa a cor do gato, o que importa é que ele pegue o rato”, em outras palavras, não interessa o modelo econômico, o que importa é que ele gere excedentes econômicos, o Brasil construía a hidrelétrica de Itaipu, a maior do mundo à época, e a ponte Rio-Niterói, também à época a maior do planeta, construída sobre o mar, com quatorze quilômetros de extensão, duas incríveis obras da engenharia civil brasileira.

                Hoje, a China autoritária constrói maravilhas da engenharia civil: uma ponte sobre o mar com cinquenta e um quilômetros de extensão, três vezes maior que a ponte Rio-Niterói; uma autoestrada com 1.300 quilômetros de extensão, da China ao Paquistão, por sobre despenhadeiros incríveis, rios, lagos e outros desafios naturais:  Kurakoran,  é o nome que lhe foi dado pelos chineses, conhecida mundialmente como a oitava maravilha do planeta. E nós continuamos esperando pela conclusão da Transamazônica. E, para diversão e regozijo dos cidadãos, eles construíram uma gigantesca ponte de cristal, com uma cascata deslumbrante desabando de suas bordas, no desfiladeiro de Quinyuan, que lembra uma grande raquete, por isso mesmo apelidada de “A grande raquete”, a 500 metros do solo!

                  E o Brasil de hoje, o que constrói? Nada de importante, apenas cuidamos de um monte de escombros que representam uma era de invejável desenvolvimento nacional: grandes obras paralisadas, pouca manutenção daquilo que resta de um passado de construções ambiciosas, rodovias esburacadas e mal sinalizadas e uma montanha de impostos, taxas e contribuições obrigatórias que apenas servem para encher os cofres da receita federal. Sem falar do péssimo sistema educacional, do falido serviço de saúde pública, da imprestável segurança pública e de muitas outras mazelas, como os milhares de pardais eletrônicos que criaram uma indústria da multa de trânsito, graças às destruidoras levas de governantes inebriados por uma ultrapassada ideologia de esquerda, e que apenas mentiam enquanto assaltavam os cofres da nação e distribuam migalhas ao povo iludido.

                      Não defendemos a adoção de um regime político autoritário como o chinês. Aliás, Carl Schmitt, o jurista da República de Weimar, o preferido de Adolf Hitler, na década de 1930, dizia que “soberano é aquele que decide sozinho sobre o que é excepcional”, e como tanto o Legislativo quanto o Judiciário só podem tomar decisões com atraso, resultado do seu modelo coletivo e discursivo de decisão, compete ao Executivo agir de imediato e sem sofrer pressões. Na China, o poder Executivo não precisa consultar o Legislativo nem o Judiciário para tomar decisões excepcionais pertinentes ao desenvolvimento do país, segundo uma agenda política de longo prazo. Com certeza este é um dos fundamentos para o sucesso chinês.

                       Queremos apenas que o nosso regime republicano tripartite funcione como deve e pode, mas em obediência a uma agenda política e de planejamento de longo prazo, que atenda aos interesses e à potencialidade do país: com presteza e agilidade, com responsabilidade e honestidade absoluta dos governantes, dos partidos políticos e seus dirigentes e dos parlamentares que são eleitos para nos representar, uma gente que esteja fortemente tocada por um nacionalismo sadio que se faça respeitar no plano internacional perante as demais nações deste planeta, capaz de defender o país acima de todo interesse nefasto, de indivíduos ou de outros países, sobre o nosso território nacional, em especial defendendo a soberania amazônica que representa mais de 51% do território do nosso maravilhoso Brasil.

                         Enfim, que venha a agenda brasileira de longo prazo, uma dívida em aberto de todos os partidos políticos, de todas as esferas de governo e dos três poderes legal e legitimamente constituídos, para que retomemos o rumo do verdadeiro desenvolvimento e crescimento econômico que o povo brasileiro merece e aguarda com ansiedade.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Capitão Cueca, Sancho Pança e o corporativismo


         Será que existe algum tipo de relação entre o corporativismo e o duo Capitão Cueca e Sancho Pança, o primeiro deles um ilustre representante de recentes façanhas políticas petistas em nosso país e o segundo, o reconhecido escudeiro medieval do personagem criado por Miguel de Cervantes Saavedra, o clássico escritor espanhol do século XVII?

          Podemos tentar enxergar tão singular particularidade estripando fatos recentes acontecidos no Brasil e um pouco da conhecida personagem criada por Cervantes, como faria Jack, o famoso “serial killer” londrino do qual nunca conseguiram descobrir a verdadeira identidade. 

         Inúmeras vezes Sancho Pança, consagrado modelo universal de serviçal padrão, tentou livrar “El ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha” de certas situações embaraçosas, mas as suas tentativas para livrar o inocente e generoso mestre dos imbróglios em que se envolvia sem parar, nunca vingavam: o quixotesco personagem universal, saído da vivência e da imaginação de Miguel de Cervantes Saavedra, quando advertido pelo humilde serviçal, sempre repetia: “No es un hombre mas que outro!”, salvo melhor interpretação, querendo dizer, com esta simples frase, que todos os homens têm que ser considerados iguais entre si,  em especial quando se tratar de sofrer as penas das leis vigentes em seu país. 

         Aqui temos o gancho que nos permite associar a vinculação entre as aventuras financeiras do Capitão Cueca com as aventuras espirituais em que o quixotesco personagem de Miguel de Cervantes se envolve aspirando melhorar ou salvar o mundo, reveladas pelas intervenções de Sancho Pança, um legítimo representante do povo, ou, se nós estamos corretos, do homem comum. Ao invés de separar os personagens citados, a secular distância os aproxima: a grande obra de Cervantes foi publicada em duas partes, a primeira em 1605, e a segunda somente em 1615. Apenas quatro séculos os separa, mas a reflexão os aproxima.

            No caso dos quixotescos eleitores brasileiros, que elegem seus representantes políticos na esperança de que eles entendam que são escolhidos para identificar e encontrar soluções para antigas demandas sociais, e muito mais ainda, que acreditem que eles não são diferentes dos demais cidadãos e tampouco adquirem o direito de se colocarem acima das leis por terem sido eleitos democraticamente, por exemplo, quando agem furtando o dinheiro que foi arrecadado do povo pelo Estado, o qual não para de coletar recursos financeiros através de impostos, taxas e contribuições obrigatórias, cujos montantes são colocados à disposição dos governantes eleitos por sufrágio universal.   

            Em poucas palavras, imaginando que a reflexão quixotesca possa encontrar guarida      no conceito de democracia, entendemos que “o governo do povo e para o povo” exige absoluta honestidade daqueles que se candidatam para o desempenho de funções públicas e para a defesa dos interesses e das demandas sociais, que afligem a cidadania desfavorecida do Brasil em larga escala, como sabemos.

            A partir do instante em que assumem a condição de legítimos representantes legais desse mesmo povo, a democracia exige que sejam fiscalizados, acompanhados e rigorosamente punidos quando se desviarem de suas obrigações republicanas no Congresso Nacional, nas Assembleias Estaduais e nas Câmaras Municipais, e nos governos de todas as esferas do poder executivo.

            Na Itália, em 17 de fevereiro de 1992, a descoberta de esquemas criminosos conduzidos por políticos em conluio com empresários e burocratas do Estado, deu origem ao combate à corrupção que se apropriava dos dinheiros públicos disponíveis para atender o financiamento, em especial, da saúde pública, da educação, dos transportes coletivos, da manutenção e construção de rodovias e da segurança pública.

            Sem freios e já institucionalizada há décadas, a corrupção pública italiana rivalizava com os feitos das máfias italianas nos montantes desviados, só que ao invés de explorar a comercialização das drogas, da prostituição e assaltos à rede bancária, os políticos corruptos italianos se cevavam nas licitações públicas, fossem elas de pequeno ou grande porte.

             A primeira prisão de um preposto político corrupto, Mario Chiesa, presidente de uma casa de repouso para idosos, que negociava a propina com Luca Magni, dono de pequena empresa de limpezas, ocorreu na cidade de Milão, em um montante de quatorze milhões de liras italianas, valor calculado sobre um contrato de cento e quarenta milhões de liras, mas que seria paga em duas parcelas.

              Quatorze milhões de liras italianas é um montante equivalente a três mil reais brasileiros. Guardemos esta coincidência, que demonstrará como a corrupção institucionalizada não faz distinção entre pequenas quantias em liras ou reais e milhões de dólares, na Itália como no Brasil.

           Na Itália, o combate à corrupção no interior das agências públicas recebeu o nome de Mãos Limpas (Mani Pulite), e durou apenas dois anos, pois foi criada até uma Lei Salva-Corruptos com a finalidade de encerrá-la.

           No Brasil, o combate aos desvios dos dinheiros públicos, a conhecida Operação Lava Jato, teve seus primórdios no ano de 2009, e, como na Itália, com a filmagem e apreensão de apenas três mil reais sendo repassados a um chefe de departamento, nomeado para o cargo por um político presidente do PTB, o deputado Roberto Jefferson.

           A Itália assistiu ao desmonte da operação Mãos Limpas pelo Primeiro Ministro Silvio Berlusconi, o maior empresário das telecomunicações em seu país, dono até de grandes equipes futebolísticas, como a Internazionale de Milão. Os italianos sabem que Berlusconi foi conduzido ao poder pelos congressistas do país com a finalidade de destruir a Operação Mãos Limpas, e ele alcançou o feito publicando uma legislação que conseguiu desmontar o combate à corrupção em seu país.

          No Brasil, a Operação Lava Jato vem resistindo há quatro anos, não obstante as inúmeras tentativas para desestabilizá-la e até mesmo destruí-la.

                    A Operação Lava Jato no Brasil, conduzida por agentes do Ministério Público e pela Polícia Federal, há quatro anos vem desmentindo a vigência daqueles dois princípios democráticos inseridos na nossa Constituição – honestidade e respeito às leis -, e demonstra com fundamentos em abundantes provas materiais (por filmagens e gravações de vídeos autorizadas pela Justiça brasileira, veiculados por todas as formas e meios de comunicação à disposição da imprensa), documentais e de testemunhos presenciais, o quanto os políticos nacionais, associados a empresários ambiciosos e contando com a ajuda de burocratas inescrupulosos, do serviço público e de agências estatais, têm assaltado as finanças públicas que por lei e por obrigação legítima deviam velar com o maior respeito, carinho e cuidado.

             A telemática, com o advento do celular e do computador pessoal, democratizou o fácil e instantâneo acesso dos cidadãos eleitores a qualquer denúncia que envolva os políticos, quer ocupem funções no poder legislativo ou no poder executivo, em qualquer uma das esferas do poder. E o poder judiciário também entra no alcance da telemática, e não podemos deixá-la de fora dessa nossa reflexão sobre a corrupção que invadiu as organizações complexas do Estado brasileiro.

              Assim, o acúmulo de denúncias revelando o comportamento corrupto de inúmeros parlamentares e alguns governantes têm fortalecido a vontade dos cidadãos de todas as classes sociais de abordar essa gente, sempre que eles dividam o espaço público com as pessoas comuns, nas ruas, nos restaurantes e, em especial, nos aviões, sendo este último o lugar ideal para esse tipo de desabafo do eleitor que se sente enganado pelas promessas de campanha do político, afinal as aeronaves têm ambiente reduzido e não permitem uma fuga repentina do espaço físico.  

               No recente rol de abordados por cidadãos revoltados com os permanentes assaltos aos cofres públicos, encontra-se o deputado petista Zé Guimarães, irmão do célebre José Genuíno, que teve que ouvir do seu acusador, durante um voo de Fortaleza para Brasília, toda a repetição da estória de um assessor da equipe do parlamentar apanhado com dólares na cueca, além de uma mala com mais duzentos mil reais quando saia de um prédio em São Paulo.

                Um vídeo feito pelo celular do corajoso brasileiro que o abordou é muito claro e audível, e espalhou-se rapidamente por todo o Brasil. Mas o ponto alto da carraspana foi o apelido cunhado e gritado aos ouvidos do acusado: “Capitão Cueca! Você é um ladrão e um covarde! Não tem coragem de se defender!”

                  Enquanto ouvia a terrível reprimenda, o deputado apenas filmou com o celular o revoltado cidadão e afirmou que o processaria, com uma voz muito baixa, que denunciava o medo que lhe acometia aquele inesperado ataque.

                  A repercussão dessa abordagem foi muito forte e alcançou os rincões mais longínquos do Brasil, gerando um apoio incondicional de grande parte da população mais esclarecida em matéria de política ao corajoso brasileiro que ousou praticá-la. Um grande empresário vestiu uma cueca recheada de falsos dólares sobre as calças, e assim veiculou um vídeo em que aparece dessa forma caracterizado, parabenizando o corajoso brasileiro e pondo à sua disposição todo o núcleo de advogados da sua empresa para defender este moderno Sancho Pança.

                   Por outro lado, na Câmara dos Deputados, o presidente Rodrigo Maia, do DEM do Rio de Janeiro, solidarizou-se pronta e energicamente contra o ato descrito nos parágrafos anteriores, declarando-o uma falta de respeito a uma autoridade parlamentar.

                      O gesto de solidariedade de Rodrigo Maia pode custar-lhe muito caro, pois os cidadãos conscientes que guardam em suas mentes os atos de desonestidade cometidos por parlamentares e políticos brasileiros nos últimos tempos, nos cenários do Mensalão e do Petrolão na Petrobras, mostrados nas telas dos jornais televisivos quase que diariamente, poderão torná-lo um candidato a sério à nova abordagem no estreito espaço de uma aeronave, ou de um ônibus, ou mesmo nos seus deslocamentos pelos corredores da Casa Congressual.             

                       Rodrigo Maia e uma grande parte dos parlamentares parecem não querer aceitar a nova realidade que toma conta do Brasil: os brasileiros estão cada vez mais conscientes de que para ser político, não basta parecer honesto, tem que ser honesto, e demonstrá-lo durante as vinte e quatro horas do dia, pela manhã, à tarde, à noite e até de madrugada, todos os dias da semana, em todos os seus atos e oportunidades políticas.

                      Como pedir respeito ao Geddel Vieira Lima, um ex-deputado federal que foi todo poderoso no Congresso Nacional e na Casa Civil do Palácio do Planalto, além de ter exercido cargos de direção na Caixa Econômica Federal, nomeado por ex-presidentes da República, que escondeu, em um apartamento de um amigo, uma fortuna no valor de prêmio acumulado de loteria, em um montante de 51 milhões de reais, entre os quais o correspondente a mais de dois milhões de reais contados pela Polícia Federal em dólares e euros?

                          Como exigir respeito a figuras sinistras desse Congresso Nacional que se tornam acompanhantes das peripécias de gente como um conhecido e incorrigível ex-presidente da República, do ex-chefe da Casa Civil, dessa mesma presidência da República, José Dirceu, de Delcídio do Amaral, Cândido Vacarezza, Romero Jucá, Eduardo Alves, Eduardo Cunha, Severino Cavalcanti, Luiz Estevão, Gim Argelo e tantos outros parlamentares e ex-parlamentares, todos condenados pela justiça ou repudiados pelas urnas?

                             Como querer respeito pelo deputado federal Rocha Loures, lotado na Presidência da República, servindo ao presidente Michel Temer, que perambulou pelas ruas de São Paulo muito assustado e carregando uma mala recheada com 500 mil reais, que tinham como destinatário um ex-presidente, e quando a Policia Federal resgatou a tal mala na casa da mãe do parlamentar, o malfadado objeto já havia sido aliviado em trinta e cinco mil reais, como constatou a Polícia Federal? Será que é verdade o que ensina o dito popular que “Ladrão que rouba ladrão, tem cem anos de perdão”?  Enfim, ainda bem que não desconfiaram da mãe do deputado!

                            Ainda no caso do Geddel Vieira Lima, como pedir respeito ao irmão, também parlamentar federal pelo estado da Bahia, ou à própria mãe dos parlamentares, se todos eles, de início, foram indiciados pelos investigadores policiais?

                           Por último, mas não de menor importância, concluímos este longo artigo com uma reflexão sobre o corporativismo.

             O corporativismo, cuja prática consiste na defesa exclusiva dos próprios interesses profissionais por parte de uma determinada categoria, revela o espírito de corpo dominante na Câmara dos Deputados em Brasília, e ele também está presente no Senado Federal e até no Supremo Tribunal Federal.

              Assim, a atitude do deputado Rodrigo Maia, apoiando o Capitão Cueca e defendendo o indefensável, é reveladora da forte presença desse comportamento corporativista naquela Casa parlamentar, e só nos resta lamentar que a classe política brasileira ainda não se tenha dado conta de que o cidadão da era da telemática, um moderno Sancho Pança, portador de um simples celular, não admite este tipo de corporativismo parlamentar, e hoje- mais atento do que nunca esteve em outros tempos ao comportamento dos políticos - não vai parar de fustigá-los sempre que forem identificados cometendo ilícitos, em especial contra os cofres públicos.  

                             

domingo, 6 de outubro de 2019

E Deus criou a mulher... e não esqueçamos as musas de uma geração.


          Mais de meio século depois, eu descubro que faço parte de uma geração que se tornou onanista por culpa dos filmes estrelados por uma esfuziante e sapeca atriz francesa, hoje comemorando 85 anos de uma bem vivida existência: a branca e bela Brigitte Bardot, e olha que eu aprecio muito mais as formas arredondadas tingidas de peles escuras, de preferência das figuras amorenadas e de olhos castanhos.

           O título escolhido para este texto, E Deus criou a mulher, foi dado a um filme eterno, que rebentou paradigmas, dirigido pelo cineasta francês Roger Vadim, que a juventude brasileira, vivente na metade dos anos cinquenta do século passado, teve que assistir inúmeras vezes e, na volta para casa, enfurnar-se no banheiro alegando uma dor de barriga que durava pelo menos sessenta longos minutos. E nas mãos juvenis, com certeza agarradas a uma das revistinhas de sacanagem do grande Carlos Zéfiro, que auxiliavam a revisitar as façanhas da grande estrela escondidas lá trás no escurinho e na tela do cinema. Tempos bons, que não voltam jamais.

           Naquele tempo glorioso as residências mal dispunham de um banheiro para uso de todas as pessoas da casa, o que gerava o desespero de frenéticas e enraivecidas batidas na porta do referido aposento orgástico, sempre ocupado por jovens cinéfilos fanatizados pela bela e atraente imagem desnuda da francesinha que não desgrudava das suas mentes encantadas pelas telas coloridas dos cinemas.

             Sim, é preciso recordar que não existiam telespectadores, pois ainda não se tinham popularizado as televisões – à época de alto custo e disponíveis apenas em preto e branco – coloridas e de grandes telas, de muitas polegadas como aquelas que hoje qualquer salário mínimo é convidado a adquirir em sessenta suaves prestações.

             Ir ao cinema era a grande diversão, famílias inteiras viam os filmes e nos domingos o grande programa das crianças e dos jovens consistia em assistir às “matinées” das dez horas que se estendiam até ao meio-dia. E, antes da televisão, o cinema enfeitiçava as multidões com o tecnicolor enchendo a tela, e trazendo, pela primeira vez, as cores como o público nunca tinha visto até então e de imediato passou a adorar. Agora, antes de irmos ao cinema, sempre nos ocorria uma pergunta: “Este filme é colorido?”

               No entanto, Brigitte Bardot não foi apenas um corpo que todos os homens desejavam.

                Por todos esses 85 anos, ela foi uma revolucionária no corpo e na alma, liderando movimentos estéticos e sociais na França e no mundo. No cinema, depois de trabalhar com as ideias de Roger Vadim expondo o corpo feminino, foi atraída pelo cerebral diretor Jean Luc Godard, o criador da “nouvelle vague” francesa, que tinha uma visão diferente ao levar para as telas os grandes dramas humanos, e filmou o celebre desprezo repentino de uma mulher por um homem de quem estava apaixonada, protagonizado por ela e pelo ator Michel Piccoli.

             Aliás, o título desse magistral filme era “O Desprezo”, de 1963, e se tornou mais um grande sucesso mundial de Jean Luc Godard. Tive o prazer de assistir a esse filme no Cine Taguatinga, no centro daquela cidade satélite de Brasília. Para minha tristeza, este cinema não mais existe.

             Jean-Luc Godard liderou uma grandiosa leva de geniais diretores de cinema em seu país. No Brasil, nessa época, explode o “cinema novo” liderado pelo corajoso e avançado baiano Glauber Rocha, que dizia ter apenas “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”.

              Por fim, com a idade lhe abraçando, Brigitte dedicou-se integralmente à causa da defesa dos animais, o que faz até hoje, com seus oitenta e cinco anos.          

        Mas antes da dedicação aos bichos - pássaros, gatos e cães – aqueles de pequeno porte, sem esquecer elefantes, ursos e rinocerontes – estes os de grande porte, Brigitte Bardot viveu sua cota de Brasil, na pequena cidade litorânea de Cabo Frio, ainda desconhecida do próprio país. Ela nos foi trazida por um “playboy” (saudades dessa palavrinha importada, que designava os homens que podiam levar uma boa vida, uma vida na gandaia, dizia-se). Nome do “playboy” felizardo? Lembro ainda, ele era o marroquino conhecido como Bob Zagury. Ficaram famosas as fotos dele divertindo-se com Brigitte nas areias das praias cabo-frienses, aquelas gargalhadas nos causavam inveja - por nada não - apenas pela proximidade daquela desejada mulher.

        Da tão ilustre senhora restou uma estátua em Cabo Frio, erigida pela municipalidade para que ficasse registrada a sensível e pecaminosa passagem da mulher que ofuscou todas as outras reconhecidas personagens femininas daquela época, pelo mundo inteiro. Nenhuma delas, por mais que seus atos e atitudes chamassem a atenção e ganhassem as manchetes dos jornais, revistas e telas dos cinemas, conseguiu superar a figura inesquecível de Brigitte Bardot. Nomes como Ava Gardner, Marilyn Monroe, Rita Hayworth tiveram seus mais de quinze minutos de fama, como consagrou o artista plástico Andy Warhol, mais não conquistaram o ardor dos olhos masculinos como Bardot.

          No entanto, uma tentativa de rejeição surgiu na trajetória brasileira de Brigitte Bardot, criada pela verve carioca dos dourados anos cinquenta no Rio de Janeiro. O carioca daquela época fazia questão de ser reconhecido nacionalmente como um inconteste gozador de pessoas, em especial das personalidades que circulassem pelo seu sagrado território.

           Desse modo, o carioca gozador criou uma frase que se ouvia à boca pequena em todo e qualquer lugar, em qualquer ocasião e pelo mais banal dos motivos, bastando que se invocasse qualquer ato ou atitude da francesinha que apenas passava uns dias no Brasil, ou melhor, nas praias de Cabo Frio: “De novo, aquela chata da Brigitte?” ou então “Lá vem de novo a intrometida da Brigitte!”

             E a presença de Brigitte Bardot resistiu até ao gostoso e irreverente comportamento carioca de querer fazer comentários divertidos ou perversos sobre qualquer pessoa de destaque, uma visão de mundo que desapareceu com a mudança dos tempos em nosso país, hoje tomado por uma violência sem limites que não mais respeita os visitantes estrangeiros, sejam eles celebridades ou simples indivíduos que se assemelham e se misturam ao nosso gentio nacional. A criatividade gozadora foi substituída pela violência praticada à mão armada, com armas de fogo ou armas brancas, a pau e a pedra, com qualquer coisa ao alcance dos meliantes.

         Enfim, Brigitte Bardot resistiu a tudo que procurou fazê-la desistir do seu passeio brasileiro em Cabo Frio, e a nós nos resta apenas lembrar, invocando Voltaire - apenas em parte - que “Il faut toujours aimez-nous les femmes, c’est  le seule moyen du rendre la vie supportable!”
           




quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Mia Couto e a corrupção da inteligência


         
     Na tarde do dia 27 de setembro do ano da graça de 2019, fui ao Auditório da Associação de Docentes da UnB assistir a uma palestra que seria proferida por Mia Couto, o escritor moçambicano que deixa encantado quem lê suas estórias sobre o povo moçambicano.

          Rapaz, eu esperava assistir a uma empolgada fala sobre literatura e me decepcionei.

             Desde a apresentação inicial pelo vice-reitor e em seguida pela reitora, fui atingido por uma torrente de reclamações contra o autoritarismo vigente no Brasil, tudo exalado de forma sutil e sub-reptícia.

              Além da denúncia do autoritarismo que diziam atingir a UnB, também exaltaram a falta de liberdade a que nós brasileiros estamos submetidos.

              É incrível o que a ideologia pode produzir: em uma reunião acadêmica, professores e militontos (o termo não é meu, foi criado por Frei Betto, e pode ser encontrado em “A Mosca Azul” ou em “Calendário do Poder”, textos do religioso em pauta), ensandecidos após a fala dos dirigentes máximos da universidade, desandaram a entoar o mote “Lula livre” ao mesmo tempo em que brandiam faixas com o mesmo dístico.

             Para mim, que tinha me deslocado apenas para assistir a uma palestra acadêmica, foi um espetáculo fora de lugar, além de deprimente.
            Mas o pior ainda estava por vir.

             Mia Couto nos foi apresentado, teve o currículo lido e assumiu uma tribuna para dar início à sua tão esperada palestra sobre literatura.

             Eu esperava que lhe dessem uma mesa, uma cadeira, um copo d’água e um cafezinho, como é de praxe nesse tipo de ocasião. Nada disso apareceu. O grande escritor tinha que falar de pé mesmo.

             A palestra revelou-se um zero à esquerda, literalmente. O grande escritor começou por fazer uma brincadeira: de uma só vez, contou e separou seis páginas do texto que havia preparado para aquele tão aguardado momento, alegando que não iria tomar o nosso tempo. A audiência entrou em delírio, estrondaram gargalhadas e mais gargalhadas pelo auditório.

             Continuei esperando pelo grande discurso do admirável escritor que muito respeito. Esperei em vão.
        
              Em seguida, avisaram-nos que Mia Couto responderia às perguntas das pessoas que se deslocaram para assisti-lo, bastava que se levantasse o braço e seríamos atendidos.
             Novamente me enganei. Um fiasco, as respostas do maravilhoso escritor aos questionamentos dos seus interlocutores.

             Decepcionado, me perguntei o porquê daquela embromação acadêmica preparada com tanta antecedência, com bastante divulgação no decorrer do primeiro semestre letivo da instituição em 2019, e que, na abertura do encontro, recebeu autoelogios proferidos pelos professores dirigentes da UnB.

             De repente, fui me dando conta do que poderia ter acontecido por trás dos bastidores acadêmicos antes daquela tão esperada palestra.

            Ora, ora, meus senhores, o Mia Couto estava cansadíssimo!

            Eureka! Convidaram o moço para vir à UnB fazer uma palestra em um evento tradicional da instituição, a Semana Universitária e, possivelmente, antes da sua fala, devem tê-lo ocupado com reuniões de trabalho com os professores dos diversos departamentos, aproveitando tão ilustre presença no campus universitário. Para discutir seja lá o que pode ter sido discutido, e isto o deixou extenuado, como era visível aos olhos mais atentos.

            Não posso apresentar provas do que estou imaginando. Mas o estado de prostração e as falas do discurso improvisado inicial e as suas respostas às perguntas do público, justificaram o meu Eureka!

             Entristeceu-me ver e ouvir Mia Couto destilar respostas salpicadas de alusões á falta de liberdade e da vigência de autoritarismo cercando o sistema universitário brasileiro... “y otras cositas más”.

             Pior foi suportar a qualidade das respostas do grande escritor, sempre incompletas, mal estruturadas, cansadas, enfastiadas, até desrespeitosas para com a inteligência e o grau de conhecimentos de uma audiência universitária.

            Por exemplo, houve uma pergunta sobre a questão do suicídio entre os jovens, encaminhada por uma docente ainda sofrendo pelo suicídio praticado, nas imediações da Biblioteca Central da UnB, por um jovem universitário na semana anterior ao evento. A professora, uma educadora, pedia que Mia Couto avançasse alguma reflexão sobre a necessidade de os jovens cultivarem a esperança em tempos tão violentos, tão desrespeitosos dos direitos humanos.

            A resposta de Mia Couto nada disse que pudesse ser aproveitado pela juventude presente, como caminho para que aprendessem a suportar os embates, as ilusões, os conflitos e o desespero que o ato de viver nos impõe a cada dia, seja na própria casa, nas salas de aula ou mais tarde no ambiente de trabalho.

            Enfim, Mia Couto esqueceu-se do “componente civilizatório intrínseco à missão do escritor”, que se impõe ao seu dever como escritor, e que consistiria em aproveitar um momento único como o deste encontro e contribuir para “alargar a imaginação moral dos seus leitores” e admiradores.   

            O que resgatou o evento de fracasso maior foi uma pergunta de uma aluna do segundo semestre do curso de Letras, portadora de deficiência física e de fala, que lançou o seguinte desafio ao escritor/pensador: “Para o senhor, qual o significado da palavra?”.

            Considerei a resposta a tão fundamental questão, proposta pela aluna, muito chocha. Com certeza, um questionamento filosófico de tamanho alcance poderia ter sido mais bem explorado, em especial por alguém que se tornou famoso no mundo das letras portuguesas por saber exibir, por meio da palavra, as emoções e descobertas da vivência cotidiana do homem africano que foi submetido ao domínio colonialista português durante largo espaço de tempo.

           Para mim, a ideologia de esquerda que domina o meio acadêmico federal brasileiro só pode produzir espetáculos como este que tive o desprazer de vivenciar na tarde de hoje na UnB. Este tipo de espetáculo representa apenas perda de tempo acadêmico, e se transforma em uma inútil oposição política ou resistência a um governo que tenha sido legal e legitimamente eleito pelo voto democrático da maioria do eleitorado.   

           Enfim, a ideologia cega àqueles que a abraçam, e a ultrapassada ideologia que aviva a chamada esquerda à brasileira, circulante em nosso meio acadêmico federal, os faz prisioneiros de um pensamento e discurso únicos que invocam o apoio do comportamento “politicamente correto”, um conveniente modismo importado da Europa e dos Estados Unidos, para não aceitar qualquer referência que possa contradizê-lo.

  .       Quanto ao comportamento verbal de Mia Couto, nesta palestra que foi sem nunca ter sido, nada se pode reclamar, apenas constatar como é difícil entender porque o vivente humano se entrega tão facilmente às visões ideológicas do mundo, criadas por outros homens com o intuito de defender interesses muitas vezes ultrapassados e nefastos.

            Afligiu-me uma dúvida: será que Mia Couto, que escreve tão lindamente em português, exaltando as palavras com as cores fortes do nosso idioma miscigenado aos dialetos moçambicanos, é também um militante de esquerda? Se acontecer de esta minha dúvida boba ser verdade, nada tenho a opor contra uma livre escolha de um cidadão consciente e muito inteligente.

            Enfim,  nessa tarde, na UnB, eu pude compreender que a ideologia exerce uma influência tão forte sobre a consciência e a inteligência do homem que tanto pode cooptá-las como corrompê-las.

            E mais: não importam quais sejam as experiências vivenciais do indivíduo e o brilho de uma mente privilegiada, a consciência e a inteligência não resistem ao cerco ideológico que lhe fazem, e terminam por se amoldar às mentiras e aos sonhos descabidos e autoritários daqueles que a cercam.

           E foi assim que um dos meus escritores preferidos, que me toca profundamente a alma, na UnB escolheu ficar de cócoras com os sapos barbudos daquela terra dominada por um pensamento e discurso únicos, atropelando com este gesto o conceito de liberdade que tanto defende em sua nobre literatura.