sexta-feira, 18 de abril de 2014

Mergulho no caos

Olá amigos. Depois de tanto tempo, voltei a escrever os meus "simplórios" textos.
Aí vai mais um, inédito. 


Uma breve reflexão sobre a realidade política e social no Brasil contemporâneo.

          O Brasil está mergulhado no caos, retrocedendo em marcha acelerada em busca da barbárie como processo civilizatório: no território nacional, os cidadãos rumo ao trabalho, à escola e aos hospitais são, diariamente, vitimizados ou eliminados como moscas, por uma bandidagem cruel que age impunemente, acobertada sob uma pletora de leis que se diz elaborada para defender os direitos humanos.
          Anualmente, cerca de 50.000 vidas são ceifadas pelos marginais brasileiros (temos o quinto, o sétimo e o nono centros urbanos mais violentos do mundo, respectivamente as cidades de Alagoas, Fortaleza e João Pessoa, na região nordeste do país ), pois nem cadeias-pocilgas para aprisioná-los nem policiais em número suficiente para perseguí-los existem neste país.
 É verdade que os Estados nacionais, em especial no mundo em desenvolvimento, e o Brasil pode ser tomado como exemplo, não mais conseguem atender às demandas da cidadania por educação de qualidade, por transporte de qualidade, por segurança pública de qualidade, enfim, por qualquer coisa de qualidade em matéria de serviços públicos, pelo menos do tipo padrão FIFA para estádios de futebol de qualidade, ainda que superfaturados e inacabados e de difícil acesso para o trabalhador que ganhe o salário mínimo.
  Sim, o Brasil, diria um cidadão mexicano mais esclarecido, “es um desmadre”.
  Sim, também é verdade que a políticagem desenfreada levou à falência o modelo político de Estado proposto e descrito por Thomas Hobbes, em que os cidadãos desistiriam do direito de fazer o que quisessem, e, em troca, entregariam o monopólio legal da força (violência) ao monstro imaginário chamado Leviatã (o Estado), o qual se encarrregaria de garantir a cada cidadão uma segurança pública básica, e, modernamente, não só isto, mas também educação, saúde, transporte público, acesso à justiça e segurança jurídica para os negócios.
 No Brasil de hoje, graças a um sistema eleitoral falido e a uma legislação elaborada sob medida para impedir a disputa em condições de igualdade, nas televisões assistidas por um povo bestializado pela desinformação, pelo semi-analfabetismo e pela ignorância e conduzido pelos ditames da telemática, temos encastelado no poder um grupo político que, há três governos, não consegue administrar um dos PIBs mais ricos do mundo (de mais de dois trilhões de reais), e que, ao contrário, vem desmontando políticas fiscais, orçamentárias e de finanças públicas que se provaram corretas ao longo do tempo, negligenciando o controle da inflação pelo incentivo desenfreado ao consumo e desprezando o investimento para a consolidação do desenvolvimento sustentado no longo prazo, além de destruírem o patrimônio público construído no decorrer dos últimos sessenta e quatro anos.
 Vale lembrar que o Brasil da década dos anos 70 conseguia se desenvolver, antes mesmo da Coréia do Sul e da China de hoje, a taxas superiores a 10% anuais.
  É óbvio que aquilo que os últimos governos vêm fazendo para destruir instituições nacionais como a Petrobrás e a Eletrobrás merece, sim, uma investigação pelo corporativo e desmoralizado poder legislativo brasileiro, além daquela revelada, e ainda em pleno andamento, sob a responsabilidade da Polícia Federal, instituição comandada pelo próprio governo.
 Sim, os últimos governantes, preocupados em se manter para sempre no poder, tem feito muito pouco para que tenhamos escolas em tempo integral, hospitais que funcionem, ao invés de apenas UPAS, carretas da mulher ou tendas (tendas!) que desabam sob ventanias e esmagam pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos!
 O transporte público é outro setor pelo qual os nossos governantes também fazem muito pouco, construindo metrôs com atraso e permitindo muito desvio de recursos públicos que são divididos entre servidores e políticos que decidem quem operará linhas de transportes coletivos que o povo e os malfeitores incendeiam por qualquer contratempo.
Tampouco oferecem a segurança pública exigida por todas as classes sociais, com uma polícia desacreditada que já não consegue conter os movimentos populares que flanam pelas ruas dos centros urbanos, prontas para destruir o patrimônio público e o privado e até assassinar os menos espertos ou desatentos que lhes atravessam o caminho.
  Sim, as multidões descontentes com a incapacidade administrativa e a falta de planejamento governamentais, avançam sem medo sobre os policiais, num enfrentamento com paus, pedras, coquetéis molotov e escudos improvisados, num claro anúncio da barbárie que já chegou e nos negamos a enxergar.
 Esta reflexão merece dois oportunos comentários acadêmicos.  O primeiro deles, sobre Thomas Hobbes, pensador inglês do século XVII, que afirmou ser o estado de natureza um estado de guerra “de todos contra todos”, como vivemos hoje no Brasil, daí sua proposta de oficializar o direito do exercício da violência, repassando-o às mãos responsabilizadas de um Estado controlado, nos dias de hoje, por um sistema de governo tripartite , em especial pelos dois outros braços do poder estatal, o Legislativo e o Judiciário, combinados harmonicamente por um sistema de pesos e contrapeso.  O segundo comentário nos permite lembrar do francês Jean Jacques Rousseau, figura tão querida dos modernos defensores dos direitos humanos, que afirmou que Thomas Hobbes estava errado, pois o homem primitivo era pacífico enquanto vivia isolado, e que a violência só se desenvolveu em um estágio posterior, quando a sociedade começou a corromper a moral humana.
 Para nós, Hobbes está muito mais próximo da verdade, já que o processo evolucionário do homem em matéria de organização grupal o levou dos bandos e tribos às sociedades políticas, capazes de construir megalópoles tais como São Paulo ou Nova Iorque, que exigem dos seus governantes competência administrativa e planejamento de longo prazo a sério,  para que a vida diária possa fluir em condições de igualdade para a maioria, sem abdicar de um mínimo de ambientes públicos que os abriguem com qualidade e em paz, o sonho da cidadania em qualquer quadrante do globo. 
 Sim, as multidões desamparadas pelo poder público são facilmente instigadas à prática da violência por lideranças-de-ninguém, indivíduos mascarados, praticantes ensandecidos de atos de puro vandalismo, rebeldes militontos (obrigado, Frei Betto, pelo blend lexical, in “A mosca azul”, edição de 2006) que se aproveitam de uma pseudo-garantia constitucional para exercerem o direito de destruir o patrimônio público e o alheio que, por infelicidade, se ponham no seu caminho de destruição.  Sim, no Brasil de hoje, aceitamos sem discutir, como se estivéssemos no melhor dos mundos, até com orgulho e o peito estufado de ideologias ultrapassadas, este caos nosso de cada dia que, como um maremoto avassalador,assola o país e faz estremecer à desengonçada e frágil democracia à brasileira.
                 Deste cenário de horror, os governantes e os partidos políticos tiram todo o proveito possível para se manterem, por tempo indeterminado, com as rédeas do poder, ainda que em alianças com notórios aliados de mãos sujas, e as principais instituições da sociedade nada fazem para mostrar que o rei de plantão no momento, sim, está completamente nu.
                   E para assim se sustentarem, sem tergiversações, os governantes se socorrem das fantasias que as mentes publicitárias bem pagas, com o dinheiro arrecadado do povo, são capazes de transformar em realidade aquilo que não passa de pura imaginação virtual, pela combinação de imagens, falas e sons que descrevem um mundo irreal, destoante do dia-a-dia que sufoca os brasileiros, não se pode esquecer, de qualquer classe social.
                     E a oposição política, será que existe no Brasil de hoje? Somos levados a acreditar que não, pois se comporta com a delicadeza que os destrói no cotidiano, como diria Paul Valéry, poeta francês, não se sabe se por incompetência ou por estarem  com as cabeças atordoadas pela legislação eleitoral que ela mesma não se atreve a tentar modificar.
                       Sim, é verdade que a oposição política neste país de adoradores de  bruzundangas tais como os Bolsa Família, Bolsa Gás, Bolsa Gestante e outros quejandos, não reage sequer à absurda legislação eleitoral que privilegia a reeleição de governantes aloprados, a corrupção praticada a céu aberto e denunciada comprovadamente, a incompetência administrativa e a absoluta ausência de planejamento público em nosso país.
                         Enfim, berlusconizado o Brasil de hoje já está, só não se podendo prever quando ele será putinizado, mas já se farejam no ar propostas, lideradas por pseudo-estadistas, de convocarmos uma constituinte para mudar a Constituição vigente, com certeza na esperança de tentar inserir emendas que venezuelem ,  argentinizem ,  equadorizem  e bolivarizem  este,  por enquanto,  infelicitado país, herança dos meus avózinhos portugueses.
                          Até quando o Brasil resistirá a este mergulho no caos? Quem fará as mudanças requeridas pelo sistema eleitoral e pela legislação eleitoral, democratizando-os de verdade?   Quem terá a coragem de fazer a inadiável reforma tributária que o país tanto necessita, exige e merece, que retire dos contracheques da classe assalariada e dos aposentados a responsabilidade maior pelo pagamento do imposto de renda e, finalmente, cobre dos 5% de multimilionários e banqueiros o que eles podem e devem pagar? Por último, e o mais importante, por quanto tempo teremos de esperar por uma nova leva de políticos que queiram e saibam conduzir esta nação de forma mais civilizada, honesta, racional, competente e digna, como o povo brasileiro o merece?
                             Afinal, como acreditar em parlamentar que lidera a Câmara dos Deputados que, num dia, no plenário da Casa , recebendo o  presidente do Poder Judiciário, ergue o braço e cerra o punho (sem a luva negra, que injustiça com vocês, Tommie Smith e John Carlos, medalhistas olímpicos no México, representantes do movimento Black Panther Party, militantes que defenderam de forma justa a ideologia do movimento negro nos EUA nas décadas dos anos 60 e 70 ) simbolizando o poder revolucionário, em inoportuna manifestação de inconformidade contra a decisão , proferida pelo magistrado visitante, amparada no devido processo legal,  que analisou, provou, julgou, condenou e se atreveu a mandar encarcerar companheiros corruptos de governo do referido parlamentar,que, no dia seguinte, é apontado como igualmente corrupto por associação  com um conhecido lobista e doleiro paranaense , preso nos cárceres da Polícia Federal.
                             É ridícula, para não dizer delirante, a estorinha do avião alugado por apenas cem mil reais, para condução da família em férias, que, para dizer o mínimo, desrespeita e insulta a inteligência dos pais de família trabalhadores e honestos que deram votos para eleger o parlamentar,cuja história ocupa o noticiário dos principais jornais,  telejornais e revistas  semanais,  além de insultante,  é indecorosa, de quinta categoria, como se dizia há tempos atrás, digna de filme de quadrilha mafiosa desastrada. É muita sorte do povo brasileiro que a Polícia Federal ainda não tenha sido totalmente cooptada pelo Estado que o político em apreço “ajuda” a comandar por doze longos anos.            
                           E como esquecer a recente tentativa de um senador de república bananeira de tornar-se membro efetivo do Tribunal de Contas da União, por saber-se inelegível no próximo pleito, figura que se gabou com tanta euforia, em conversas com outros senadores, de ter alcançado seu primeiro bilhão de reais, com certeza graças aos ventos que favorecem seus negócios, o que não o impediu de responder a vários processos por crimes cometidos contra a sociedade brasileira que não o elegeu, pois chegou ao Senado da República legitimado pela execrada marca da suplência que não recebe votos?
                            Uma pergunta atormenta nossas mentes decepcionadas com a política: com que sinistras intenções políticas esta figura pretendia tornar-se membro da mais alta corte de controle das contas públicas nacionais? Prováveis respostas devem estar regurgitando nas cabeças privilegiadas dos parlamentares brasileiros que não ousaram aprovar a sua indicação para tão privilegiado cargo público.
                              Até quando a classe política continuará abusando, sem qualquer limite de pudor, da paciência desinformada e da falta de educação política para o exercício consciente da cidadania deste sofrido povo brasileiro?
                               É desanimador ter a certeza de que as próximas eleições não nos trarão tão ansiada resposta, pois, com certeza e pela ordem, o dinheiro, a legislação eleitoral, a propaganda  publicitária e a telemática não o permitirão, lotando, mais uma vez, as casas legislativas com o mesmo tipo de gente que se elege com o intuito de se tornar muito rica, às expensas dos recursos financeiros arrecadados pelo Estado,  uma verdadeira casta de intocavéis  contracidadãos,  sempre à margem da cidadania que se consome no trabalho honesto.
                               Que bom seria se o Brasil de hoje despertasse do enganador sonho político em que vive, e, na hora de depositar seu voto republicano no próximo pleito, pensasse em reconstrução, em construir o Brasil de amanhã, começando pela escolha mais criteriosa e bem informada possível dos seus futuros representantes políticos, para que os novos escolhidos façam a adiada reforma política que o país espera e exige, há tanto tempo adiada por interesse exclusivo dos partidos políticos e dos governantes de plantão, viciados na manutenção de um status quo que só beneficia e traz vantagens de toda ordem para eles mesmos.
                              Porém, como disse Calderón de La Barca, a vida é sonho, e para nós brasileiros, nada mais que sonhos.      


Texto elaborado por José Everaldo Ramalho, 74 anos, graduado em Direito,
 aposentado pela Escola Nacional
de Administração Pública – ENAP,
exerceu Cargo de Natureza Especial – CNE
 na Comissão do Mercosul, na Câmara dos Deputados.

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