quinta-feira, 24 de abril de 2014

Black Blocs no Brasil e na Venezuela




Em Estados democráticos de direito, os cidadãos aprendem que o exercício da violência contra indivíduos ou grupos que desrespeitam as leis, é monopólio institucional das polícias, civil ou militar e, em alguns casos excepcionais, das Forças Armadas que, por princípio constitucional, devem defender o território nacional contra ameaças provenientes do exterior.
           No entanto, cada tempo político-social curte os novos costumes que inventa ou que surjam da espontaneidade das ruas, ou das necessidades de mudanças políticas, econômicas ou sociais ou do conjunto de todas elas, reunidas e representadas em movimentos que desembarcam e desfilam pelas avenidas e praças dos centros urbanos.
              No Brasil de hoje, por exemplo, vem se tornando comum assistir, no dia-a-dia, às multidões se acotovelando nas ruas, praças, estações de trens ou de metrôs, para protestar contra a qualidade dos serviços públicos prestados pelo Estado ou por corporações empresariais, ou contra a precariedade de serviços como saúde pública, educação, transporte, rodovias e segurança que a Constituição vigente diz ser obrigação dos governantes oferecerem aos cidadãos de todas as classes sociais.
         Assim, estamos nos acostumando à nova nomenclatura para os protestos de massa nas ruas brasileiras, que ganharam o apelido de “black blocs”, eufemismo para nomear grupos de vândalos que depredam e destroem tudo que não se move e tem a infelicidade de se situar à sua frente, às vezes sobrando foguetes ou bombas caseiras para os incautos ou menos espertos cidadãos que, por acaso, trafegam, muitas vezes como profissionais da imprensa, ou mesmo policiais, nas proximidades dos deslocamentos das tais turbas ensandecidas, fora de qualquer tipo de controle.
         Pior é na Venezuela. Neste país, mais recente membro pleno do paralisado bloco de desenvolvimento regional denominado Mercosul, não existem os “black blocs” brasileiros, mas, em compensação, pelas ruas da capital Caracas e de outras cidades do país bolivariano, estão à solta os colectivos, grupos de indivíduos armados e sustentados pelo governo, vestidos à paisana e montados em motos, eles são ágeis e investem violentamente contra todos os cidadãos que protestem, como deve permitir um Estado democrático de direito, contra o atual  governo venezuelano.
           Alguém dirá: ora, os colectivos, como refletimos neste artigo, são apenas uma invenção político-social dos tempos que correm, em que o povo descobre como se fazer representar nas ruas do seu país.
         Sim, mas praticando a violência armada contra outros cidadãos desarmados? Cidadãos que apenas querem exercer o sagrado direito democrático de protestar com sua presença massiva e palavras nas ruas do seu país, pois sabem  que, como disse o poeta uruguaio Antonio Machado, “Caminante, no hay camino, el camino se hace al andar”.
         Acontece que os colectivos não são uma invenção venezuelana, mais parecendo uma transposição bolivariana das Brigadas de Resposta ou Ação Rápida dos cubanos, grupos de cidadãos sustentados pelo Estado cubano, espalhados por todos os quarteirões das cidades daquela famosa ilha do Caribe, com o objetivo de reprimir, quando convocados, os descontentes com o regime de governo “de los hermanos Castro”, há mais de cinqüenta anos no exercício do poder.
     Os colectivos paramilitares venezuelanos têm liberdade de atuação, contando com o respaldo das forças policiais legais, podendo atirar com munição real e espancar manifestantes contrários ao governo, como em Cuba, à luz do dia e no meio da rua, porque protegidos pelo anonimato e pela impunidade, mesmo quando têm suas agressões mostradas pelos telejornais, retransmitidas para o mundo inteiro, sendo facilmente identificáveis os agressores dos indefesos cidadãos.
      Um parênteses necessário: as Brigadas de Resposta ou Ação Rápida  foram inspiradas nas  Brigadas Especiais de Choque, estruturadas pelo coronel cubano Bonone, um combatente em Sierra Maestra,  segundo as revelações do general Rafael del Pino, no livro Proa a La Libertad (Editorial Planeta, 1991,p. 294), criadas para se interporem  entre o tirano Fidel Castro  e as multidões convocadas para ovacioná-lo em suas intermináveis arengas propagandísticas, geralmente contra o capitalismo norte-americano e louvando as excelências  do regime ditatorial castrista.
       As Brigadas de Resposta ou Ação Rápida passaram, então, a ser utilizadas pelo Estado cubano para instigar os populares a seguir o exemplo das Brigadas Especiais de Choque, mas agora de defensores, não do Comandante, mas do sistema de governo, promovendo “atos de repúdio” contra os descontentes, estigmatizando os insatisfeitos com o governo, alimentando o ódio da população contra aqueles que tinham a coragem e a lucidez de se manifestar, seja reunindo pessoas para discutir questões pertinentes ao fracasso de programas e  projetos de governo, seja  escrevendo críticas ou assinando manifestos contra decisões governamentais que causavam prejuízos ao país, enfim, punindo-os e ao mesmo tempo amedrontando os que porventura cogitassem de seguir-lhes o exemplo.
         Na verdade, as Brigadas Especiais de Choque têm inspiração nas SA e SS nazistas, e as Brigadas de Resposta ou Ação Rápida cubanas, bem como os colectivos venezuelanos, constituem-se em verdadeiras tropas de choque para o controle populacional, à disposição dos governantes, sejam eles tiranos, ditadores ou representantes políticos eleitos pelo voto universal.
           Fidel Castro, desde o inicio da sua rebeldia revolucionária, sempre se deu conta de que a sua pequena Ilha, de apenas 130 quilometros de comprimento por 90 de largura, não dispunha de grandes riquezas naturais, em especial de petróleo, por isso mesmo, desde cedo como dirigente máximo de Cuba, mantinha a ambição de dominar a riqueza petrolífera venezuelana.
            Assim, tentou negociar com um presidente da Venezuela preços privilegiados em futuras compras do produto para Cuba, tendo recebido a cínica resposta presidencial de que ele não era o dono daquela imensa riqueza de seu país. Mas com a ascensão de Hugo Chávez ao poder, Fidel conseguiu tudo o que almejava: ver militares cubanos assessorando a cúpula governamental da Venezuela, influenciando e decidindo sobre os negócios do Estado, desde questões de segurança nacional, negócios com o petróleo, com alimentos importados do resto do mundo ou a contratação dos “médicos sem fronteira” formados em Cuba, estes, é claro, a peso de ouro.
                    O Comandante cubano, após a Perestróica que desmantelou o modelo econômico dependente da ex-URSS, hoje, graças ao bolivarianismo do falecido coronel Hugo Chávez,  comanda as forças armadas da Venezuela e ocupa postos de direção importantes não só na estatal venezuelana do petróleo, mas fazendo a segurança do presidente Nicolás Maduro, administrando a alfândega dos portos e aeroportos, e dominando as importações de alimentos, além de prestarem valiosa consultoria técnica para a formação dos colectivos  de inspiração nos Comitês de Defesa da Revolução, nas Brigadas Especiais de Choque  e  nas Brigadas de Resposta ou Ação Rápida cubanos.
                   Os homens de Fidel Castro que comandam a Venezuela estão por toda parte, e em todos os lugares, por isso foram apelidados pela população do país de fidelitos.
                    Perdido o apoio financeiro da ex-URSS, Cuba, hoje, se ceva como pode de fontes de financiamento internacional, como a Venezuela e o Brasil. Desses dois países, Cuba retira anualmente bilhões de dólares que contribuem para aliviar os descaminhos da economia cubana e sustentar o fracassado regime castrista..
                       O Brasil dos “black blocs” financia não só a vinda dos “médicos sem fronteira” cubanos, mas também obras de grande porte em Cuba, como o porto de Mariel, mas  se cala diante das atrocidades cometidas pelos colectivos  venezuelanos contra o seu indefeso povo, e em qualquer palco, seja na OEA, na Unasul, no Mercosul ou em qualquer outro foro internacional que discuta a ausência de democracia republicana e liberdade de expressão na Venezuela.
                         E por que os colectivos venezuelanos/cubanos, tão em moda no sub-continente situado na linha de baixo do Equador,  não encontram clima apropriado para prosperar no Brasil?
                          Porque, em primeiro lugar, este é um vasto território recém saído de uma ditadura militar, cuja derrubada durou longos vinte-e-um anos e que ainda não foi devidamente passada a limpo como se devia fazê-lo.
                         Porque, em segundo lugar, apesar de a tenra democracia brasileira ainda não ter fincado raízes profundas, conta com instituições que a defendem, como um Supremo Tribunal Federal,  composto por magistrados de formação jurídica diversificada e internacionalizada, ou um Poder Legislativo dividido entre múltiplas facções partidárias, e, para além destes, uma Ordem dos Advogados do Brasil e os principais órgãos da imprensa que têm se mostrado atentos e atuantes aos arreganhos de policiamento e controle da liberdade de expressão garantida pela Constituição de 1988.
             Porque, em terceiro lugar, este é um país democraticamente constitucionalizado, forte economicamente, fonte de muitas riquezas naturais, cuja exploração e comercialização é globalizada, além de contar com modernos setores industrial e comercial de grande porte.
                               Porque, em quarto lugar, e talvez o mais importante fator de coesão territorial, seu legado de formação histórica se fez através de lutas de províncias tão dispares como São Paulo, que se fez um país dentro de outro, ou o Rio Grande do Sul, que já foi um tradicional centro de resistência contra os desmandos de qualquer governo centralizador, ou as províncias nordestinas, palco de tentativas de desmembramento do jugo monárquico, ou as províncias do centro-oeste, que viram suas riquezas minerais drenadas para o continente europeu, ou as províncias da região norte, que constituem mais de 51% do território nacional e até hoje continuam abandonadas pelos governantes, mas, apesar de tudo, liderança ou ideologia alguma conseguiu separá-las ao longo dos tempos de sua formação como nação.
                                                                                                                                                                                                                                                           
                                   Enfim, aqui neste Brasil, eterno país do futuro, ainda se aceitam e se permitem   o surgimento de “black blocs” da vida, mas será bastante difícil transformá-los em “colectivos de acción rápida brasileños”, mesmo que estejamos envolvidos em uma “guerra de todos contra todos”, como diria Thomas Hobbes, nas ruas dos centros urbanos do país.
                                   No entanto, imagine o Brasil ser dividido, como na canção de Ivanildo Vila Nova, um nordestino cheio de poesia e alegria musical, e, então, surgirão os Estados Unidos de São Paulo, a República Federativa de Piratini, ou mesmo os Estados Unidos da Confederação do Equador, cuja capital, inevitavelmente, se chamará Antonio Conselheiro.
                                     Porém, se os tais “colectivos de acción rápida brasileños” um dia vingarem em nosso desnorteado país, a nós nos restará, se escaparmos dos trucidamentos nas ruas, pelo menos o direito de escolher para qual das novas repúblicas brasileiras, que inevitavelmente se materializarão, nos mudaremos e fixaremos residência, aonde talvez possamos criar filhos, educá-los e vê-los crescer em cidades livres das ações destruidoras dos “black  blocs” ou das incursões vitimizadoras e aniquiladoras dos vândalos dos tais “colectivos” cubano/venezuelanos.
                                        Pra frente Brasil, rumo ao hexa, que atrás vem o futuro!

                                                                      José Everaldo Ramalho, 74, graduado em Direito, é aposentado pela Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, exerceu Cargo de Natureza Especial – CNE na Comissão do Mercosul, na Câmara dos Deputados.

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