Em Estados democráticos de direito, os cidadãos aprendem que
o exercício da violência contra indivíduos ou grupos que desrespeitam as leis,
é monopólio institucional das polícias, civil ou militar e, em alguns casos excepcionais,
das Forças Armadas que, por princípio constitucional, devem defender o
território nacional contra ameaças provenientes do exterior.
No entanto,
cada tempo político-social curte os novos costumes que inventa ou que surjam da
espontaneidade das ruas, ou das necessidades de mudanças políticas, econômicas
ou sociais ou do conjunto de todas elas, reunidas e representadas em movimentos
que desembarcam e desfilam pelas avenidas e praças dos centros urbanos.
No
Brasil de hoje, por exemplo, vem se tornando comum assistir, no dia-a-dia, às
multidões se acotovelando nas ruas, praças, estações de trens ou de metrôs,
para protestar contra a qualidade dos serviços públicos prestados pelo Estado
ou por corporações empresariais, ou contra a precariedade de serviços como
saúde pública, educação, transporte, rodovias e segurança que a Constituição
vigente diz ser obrigação dos governantes oferecerem aos cidadãos de todas as
classes sociais.
Assim,
estamos nos acostumando à nova nomenclatura para os protestos de massa nas ruas
brasileiras, que ganharam o apelido de “black
blocs”, eufemismo para nomear grupos de vândalos que depredam e destroem
tudo que não se move e tem a infelicidade de se situar à sua frente, às vezes
sobrando foguetes ou bombas caseiras para os incautos ou menos espertos
cidadãos que, por acaso, trafegam, muitas vezes como profissionais da imprensa,
ou mesmo policiais, nas proximidades dos deslocamentos das tais turbas
ensandecidas, fora de qualquer tipo de controle.
Pior
é na Venezuela. Neste país, mais recente membro pleno do paralisado bloco de
desenvolvimento regional denominado Mercosul, não existem os “black blocs” brasileiros, mas, em
compensação, pelas ruas da capital Caracas e de outras cidades do país
bolivariano, estão à solta os colectivos,
grupos de indivíduos armados e sustentados pelo governo, vestidos à paisana e
montados em motos, eles são ágeis e investem violentamente contra todos os
cidadãos que protestem, como deve permitir um Estado democrático de direito,
contra o atual governo venezuelano.
Alguém
dirá: ora, os colectivos, como
refletimos neste artigo, são apenas uma invenção político-social dos tempos que
correm, em que o povo descobre como se fazer representar nas ruas do seu país.
Sim, mas praticando a violência armada contra
outros cidadãos desarmados? Cidadãos que apenas querem exercer o sagrado
direito democrático de protestar com sua presença massiva e palavras nas ruas
do seu país, pois sabem que, como disse
o poeta uruguaio Antonio Machado, “Caminante,
no hay camino, el camino se hace al andar”.
Acontece que os colectivos não são uma invenção venezuelana, mais parecendo uma
transposição bolivariana das Brigadas de
Resposta ou Ação Rápida dos cubanos, grupos de cidadãos sustentados pelo
Estado cubano, espalhados por todos os quarteirões das cidades daquela famosa
ilha do Caribe, com o objetivo de reprimir, quando convocados, os descontentes
com o regime de governo “de los hermanos
Castro”, há mais de cinqüenta anos no exercício do poder.
Os
colectivos paramilitares venezuelanos têm liberdade de atuação, contando
com o respaldo das forças policiais legais, podendo atirar com munição real e
espancar manifestantes contrários ao governo, como em Cuba, à luz do dia e no
meio da rua, porque protegidos pelo anonimato e pela impunidade, mesmo quando
têm suas agressões mostradas pelos telejornais, retransmitidas para o mundo
inteiro, sendo facilmente identificáveis os agressores dos indefesos cidadãos.
Um parênteses necessário:
as Brigadas de Resposta ou Ação Rápida foram inspiradas nas Brigadas
Especiais de Choque, estruturadas pelo coronel cubano Bonone, um combatente
em Sierra Maestra, segundo as revelações
do general Rafael del Pino, no livro Proa
a La Libertad (Editorial Planeta, 1991,p. 294), criadas para se
interporem entre o tirano Fidel
Castro e as multidões convocadas para
ovacioná-lo em suas intermináveis arengas propagandísticas, geralmente contra o
capitalismo norte-americano e louvando as excelências do regime ditatorial castrista.
As Brigadas de Resposta ou Ação Rápida
passaram, então, a ser utilizadas pelo Estado cubano para instigar os populares
a seguir o exemplo das Brigadas
Especiais de Choque, mas agora de defensores, não do Comandante, mas do
sistema de governo, promovendo “atos de repúdio” contra os descontentes,
estigmatizando os insatisfeitos com o governo, alimentando o ódio da população
contra aqueles que tinham a coragem e a lucidez de se manifestar, seja reunindo
pessoas para discutir questões pertinentes ao fracasso de programas e projetos de governo, seja escrevendo críticas ou assinando manifestos
contra decisões governamentais que causavam prejuízos ao país, enfim,
punindo-os e ao mesmo tempo amedrontando os que porventura cogitassem de
seguir-lhes o exemplo.
Na verdade, as Brigadas Especiais de Choque têm
inspiração nas SA e SS nazistas, e as Brigadas
de Resposta ou Ação Rápida cubanas, bem como os colectivos venezuelanos, constituem-se em verdadeiras tropas de
choque para o controle populacional, à disposição dos governantes, sejam eles
tiranos, ditadores ou representantes políticos eleitos pelo voto universal.
Fidel
Castro, desde o inicio da sua rebeldia revolucionária, sempre se deu conta de
que a sua pequena Ilha, de apenas 130 quilometros de comprimento por 90 de
largura, não dispunha de grandes riquezas naturais, em especial de petróleo,
por isso mesmo, desde cedo como dirigente máximo de Cuba, mantinha a ambição de
dominar a riqueza petrolífera venezuelana.
Assim,
tentou negociar com um presidente da Venezuela preços privilegiados em futuras
compras do produto para Cuba, tendo recebido a cínica resposta presidencial de
que ele não era o dono daquela imensa riqueza de seu país. Mas com a ascensão
de Hugo Chávez ao poder, Fidel conseguiu tudo o que almejava: ver militares
cubanos assessorando a cúpula governamental da Venezuela, influenciando e
decidindo sobre os negócios do Estado, desde questões de segurança nacional,
negócios com o petróleo, com alimentos importados do resto do mundo ou a
contratação dos “médicos sem fronteira” formados em Cuba, estes, é claro, a
peso de ouro.
O
Comandante cubano, após a Perestróica que desmantelou o modelo econômico
dependente da ex-URSS, hoje, graças ao bolivarianismo do falecido coronel Hugo
Chávez, comanda as forças armadas da
Venezuela e ocupa postos de direção importantes não só na estatal venezuelana
do petróleo, mas fazendo a segurança do presidente Nicolás Maduro, administrando
a alfândega dos portos e aeroportos, e dominando as importações de alimentos, além
de prestarem valiosa consultoria técnica para a formação dos colectivos
de inspiração nos Comitês de
Defesa da Revolução, nas Brigadas Especiais de Choque e nas
Brigadas de Resposta ou Ação Rápida cubanos.
Os
homens de Fidel Castro que comandam a Venezuela estão por toda parte, e em
todos os lugares, por isso foram apelidados pela população do país de fidelitos.
Perdido o apoio financeiro da ex-URSS, Cuba, hoje, se ceva como pode de
fontes de financiamento internacional, como a Venezuela e o Brasil. Desses dois
países, Cuba retira anualmente bilhões de dólares que contribuem para aliviar
os descaminhos da economia cubana e sustentar o fracassado regime castrista..
O Brasil dos “black blocs” financia não só a vinda dos “médicos sem fronteira” cubanos, mas também obras de grande porte em
Cuba, como o porto de Mariel, mas se
cala diante das atrocidades cometidas pelos colectivos venezuelanos
contra o seu indefeso povo, e em qualquer palco, seja na OEA, na Unasul, no
Mercosul ou em qualquer outro foro internacional que discuta a ausência de
democracia republicana e liberdade de expressão na Venezuela.
E por que os colectivos
venezuelanos/cubanos, tão em moda no sub-continente situado na linha de baixo
do Equador, não encontram clima
apropriado para prosperar no Brasil?
Porque, em primeiro lugar, este
é um vasto território recém saído de uma ditadura militar, cuja derrubada durou
longos vinte-e-um anos e que ainda não foi devidamente passada a limpo como se
devia fazê-lo.
Porque, em segundo lugar, apesar
de a tenra democracia brasileira ainda não ter fincado raízes profundas, conta
com instituições que a defendem, como um Supremo Tribunal Federal, composto por magistrados de formação jurídica
diversificada e internacionalizada, ou um Poder Legislativo dividido entre
múltiplas facções partidárias, e, para além destes, uma Ordem dos Advogados do
Brasil e os principais órgãos da imprensa que têm se mostrado atentos e
atuantes aos arreganhos de policiamento e controle da liberdade de expressão
garantida pela Constituição de 1988.
Porque,
em terceiro lugar, este é um país democraticamente constitucionalizado, forte
economicamente, fonte de muitas riquezas naturais, cuja exploração e
comercialização é globalizada, além de contar com modernos setores industrial e
comercial de grande porte.
Porque, em
quarto lugar, e talvez o mais importante fator de coesão territorial, seu
legado de formação histórica se fez através de lutas de províncias tão dispares
como São Paulo, que se fez um país dentro de outro, ou o Rio Grande do Sul, que
já foi um tradicional centro de resistência contra os desmandos de qualquer
governo centralizador, ou as províncias nordestinas, palco de tentativas de desmembramento
do jugo monárquico, ou as províncias do centro-oeste, que viram suas riquezas
minerais drenadas para o continente europeu, ou as províncias da região norte,
que constituem mais de 51% do território nacional e até hoje continuam
abandonadas pelos governantes, mas, apesar de tudo, liderança ou ideologia
alguma conseguiu separá-las ao longo dos tempos de sua formação como nação.
Enfim, aqui
neste Brasil, eterno país do futuro, ainda se aceitam e se permitem o surgimento
de “black blocs” da vida, mas será
bastante difícil transformá-los em “colectivos
de acción rápida brasileños”, mesmo que estejamos envolvidos em uma “guerra
de todos contra todos”, como diria Thomas Hobbes, nas ruas dos centros urbanos
do país.
No entanto,
imagine o Brasil ser dividido, como na canção de Ivanildo Vila Nova, um nordestino
cheio de poesia e alegria musical, e, então, surgirão os Estados Unidos de São
Paulo, a República Federativa de Piratini, ou mesmo os Estados Unidos da
Confederação do Equador, cuja capital, inevitavelmente, se chamará Antonio
Conselheiro.
Porém, se
os tais “colectivos de acción rápida
brasileños” um dia vingarem em nosso desnorteado país, a nós nos restará,
se escaparmos dos trucidamentos nas ruas, pelo menos o direito de escolher para
qual das novas repúblicas brasileiras, que inevitavelmente se materializarão, nos
mudaremos e fixaremos residência, aonde talvez possamos criar filhos, educá-los
e vê-los crescer em cidades livres das ações destruidoras dos “black blocs” ou das incursões vitimizadoras e
aniquiladoras dos vândalos dos tais “colectivos”
cubano/venezuelanos.
Pra frente Brasil,
rumo ao hexa, que atrás vem o futuro!
José Everaldo Ramalho, 74, graduado em Direito, é aposentado pela Escola
Nacional de Administração Pública – ENAP, exerceu Cargo de Natureza Especial –
CNE na Comissão do Mercosul, na Câmara dos Deputados.
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