terça-feira, 26 de janeiro de 2010

(VII) Honduras contra o mundo: para que serve uma Constituição do lado de baixo do Equador?)

Aproxima-se o dia 27 de janeiro, dia da posse do novo presidente hondurenho, Porfirio “Pepe” Lobo Sosa, eleito com exatos 1.213.995(um milhão, duzentos e treze mil e novecentos e noventa e cinco) votos, representando 56,56% da votação geral, realizada no dia 29 de novembro de 2009, a mais expressiva vitória eleitoral de toda a história política de Honduras, acompanhada por mais de cinco centenas de observadores internacionais, além dos mais de quatro mil nacionais, que nada puderam identificar de irregular em sufrágio convocado conforme as regras constitucionais fixadas pela Carta Magna do pequeno e democrático país centroamericano, e tudo isso no meio de gravíssima crise política desencadeada pelo ex-presidente José Manuel Zelaya Rosales, deposto por infrações cometidas contra a constituição vigente, além de outro tanto de infrações criminosas capituladas no Código Penal do país, durante cerca de quatro meses, finalmente destituído, por sentença da Corte Suprema de Justiça, no dia 28 de junho de 2009.

Mel Zelaya, o presidente deposto, refugiado nas instalações da Embaixada brasileira em Honduras tem o declarado apoio do presidente venezuelano Hugo Chávez, que, por sua vez, mantém o governo brasileiro (que o apoiou incondicionalmente no projeto de criação de mais uma “república bolivariana” no continente americano, seria a primeira instalada na América Central) prisioneiro de uma tese equivocada, a de que houve um golpe de Estado em Honduras.

Graças ao incondicional apoio de Hugo Chávez e do Brasil, Mel Zelaya atreve-se a continuar destilando o veneno de que foi destituído ilegalmente por um golpe de Estado, contra ele perpetrado pelo poder Judiciário hondurenho, contando com a colaboração irrestrita do poder Legislativo, e, de dentro da Embaixada brasileira, continua arrotando que ainda é o legítimo presidente de Honduras, e que só definirá o seu futuro no dia 27 de janeiro de 2010, o dia estabelecido pela Constituição para a posse do novo presidente eleito legitimamente no último domingo de novembro de 2009, como também manda a Carta Magna.

Com a maior desfaçatez, ou melhor, com a maior “cara de pau”, afirma Mel Zelaya que somente no dia 27 de janeiro decidirá entre pedir asilo ou permanecer em território de Honduras.

Para confundir ainda mais aos analistas políticos da crise hondurenha, claramente provocada por Mel Zelaya e seu círculo de assessores bolivarianos, o Presidente eleito de Honduras, Porfirio “Pepe” Lobo Sosa, decidindo contra o que determina a Constituição do país e a legislação penal infraconstitucional, e decepcionando a opinião pública e o povo que o elegeu, além de pedir uma anistia geral e irrestrita para todos os envolvidos na grave questão política nacional, negociou um acordo com o Presidente da República Dominicana, Leonel Fernández, para que aquele país caribenho receba o presidente deposto que será portador de um “salvo conduto especial”, pois somente assim poderá deixar Honduras sem ser molestado pela justiça.

Mel Zelaya está gostando tanto da proposta de Porfirio Lobo que, no seu estilo mafioso-astucioso, já espalha que não ficará por muito tempo na ilha caribenha onde aportou, pela primeira vez, o descobridor oficial do Continente Americano, Cristóvão Colombo, pois pretende asilar-se no México.

O palco armado para a saída de Mel Zelaya será a cerimônia de posse do novo presidente eleito, que nem ele nem Roberto Micheletti assistirão, mas, na seqüência do ato de investidura de Porfirio “Pepe” Lobo Sosa, o Presidente Lionel Fernández, da República Dominicana, transportará o ex-presidente hondurenho, seus familiares e alguns dos principais assessores, na aeronave presidencial dominicana, livrando-os, assim, graças ao “salvo conduto especial” que lhes será concedido, dos processos criminais que tramitam na justiça hondurenha.

Os norteamericanos, por sua vez, também estão gostando muito do “salvo conduto especial” que Porfirio Lobo fornecerá a Mel Zelaya, pois assim terão uma desculpa fundamentada no referencial jurídico internacional, o que facilitará o reconhecimento formal das eleições e do novo presidente escolhido pelo povo hondurenho, no dia 29 de novembro de 2009, pelos EUA e pelas demais nações do planeta que têm se recusado a fazê-lo, ainda que conscientes de que a convocação do processo eleitoral recém-concluído foi legitimada pela Constituição vigente, e mais conscientes ainda dos crimes praticados pelo ex-presidente de Honduras.

No entanto, a determinação dos bolivarianistas liderados por Hugo Chávez, nos faz pensar que Mel Zelaya, fora do território hondurenho, vivendo na República Dominicana ou no México, livre de qualquer condenação pelos graves crimes que cometeu contra o Estado de Honduras e seu povo, continuará recebendo o necessário apoio financeiro para dar continuidade à sua campanha de divulgação de que foi deposto por um golpe de Estado, jamais aceitando que foi defenestrado em conseqüência dos desrespeitos à Carta Magna do seu próprio país.

Como o qualificam os analistas políticos hondurenhos, Mel Zelaya é muito mais um aventureiro, no estilo nacional do “pendenciero”, do que propriamente um cidadão que se propõe a fazer política a sério, por isso mesmo deixou-se influenciar pela possibilidade de adotar o bolivarianismo como forma de governo em Honduras, pois, assim o convenceram, bastava-lhe convocar um plebiscito para modificar a Constituição de 1982 e eleger uma constituinte que, sob o seu único comando, daria à luz uma outra Carta Magna contendo um conjunto de novos dispositivos que lhe permitiria empalmar o poder e nele permanecer, junto com o grupo de bolivarianistas que o assessorava, por décadas infindas.

Enquanto exerceu a presidência, Mel Zelaya não se furtou em se enquadrar no tradicional método norteamericano de intervenção na política hondurenha, ou seja, no velho estilo em que os EUA se acostumou a tratar os demais países americanos, isto é, como Repúblicas de Bananas, e aceitava as convocações do Embaixador credenciado pelo Grande Irmão do Norte, Hugo Llorens, para conversações com os políticos hondurenhos, que tentaram fazê-lo desistir de convocar um plebiscito que mudaria a Constituição em suas cláusulas pétreas, inclusive fazendo-lhe ver que ele não podia realizar tal convocação popular desrespeitando o Artigo 5º, que estabelece, de forma muito clara, as condições para sua realização.

É interessante lembrar que Mel Zelaya levou duas semanas para receber as credenciais de Hugo Llorens como embaixador norteamericano, e o fez somente após um pedido do presidente do Congresso Nacional de Honduras, Roberto Micheletti, tendo telefonado ao representante dos EUA, no decorrer da audiência com o parlamentar, para informá-lo que o receberia na “próxima segunda feira”.

O embaixador norteamericano, desconhecedor do respeito e da importância que as instituições hondurenhas tinham e têm pelo texto da sua democrática Carta Magna, e fingindo nada entender das pretensões e dos planos bolivarianos de Hugo Chávez de instalar um governo ao estilo venezuelano em Honduras, de descarado continuísmo presidencialista ditatorial, aproveitando-se de mecanismos democráticos, ofereceu as instalações da sua embaixada para encontros de Mel Zelaya com representantes do Legislativo e de partidos políticos, por pelo menos cinco vezes.

Nessas ocasiões, nas instalações da embaixada do império norteamericano, conforme relatos dos políticos que delas participaram, e Roberto Micheletti afirma ter sido um deles, outro foi o ex-presidente hondurenho Carlos Flores, se discutiu a grave questão da realização de um plebiscito que levaria ao desmonte da Constituição de Honduras, vigente há quase trinta anos, mas para Mel Zelaya uma Carta ultrapassada, necessitando modernizar-se para permitir a adoção da continuidade presidencialista, pela via do mecanismo de seguidas reeleições.

Peço desculpas a quem estiver tendo paciência para ler esta reflexão sobre a crise política hondurenha, mas, como diria um estudioso do marxismo, e os bolivarianistas com ele, provavelmente, concordariam, é fundamental “pensar a totalidade”, conceito que o historiador moderno Geoffrey Barraclough traduz por “pensar em bloco”, o que nos obriga a, mais uma vez, abrir um parênteses.

A história política do continente americano nos conta que os EUA criaram a República moderna, e uma forma de governo republicano fundado nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que seriam harmônicos entre si, respeitando-se e fiscalizando-se, ou até mesmo intervindo legalmente, sempre que necessário, para impedir os possíveis desmandos dos seus dirigentes e membros, ou seja, um sistema de governo com poderes balanceados, em substituição aos sistemas monárquicos europeus que colonizaram o continente americano.

É oportuno lembrar que o sistema colonial europeu invadiu também o continente africano, e por lá teve mais sucesso em se manter no poder, por muito mais tempo, dominando todos os países habitados por etnias negras, pelo menos até o início da década dos anos cinqüenta, quando as guerras de libertação nacional começaram a livrar o território do poder absoluto dos reis e dos ditadores europeus.

Ao contrário do que aconteceu no nosso continente, em que o republicanismo dos EUA estabeleceu, desde o seu inicio, a possibilidade do continuísmo presidencialista, mas o eliminou, imediatamente após a morte do Presidente Franklin Delano Roosevelt, que, com certeza amparado no sucesso de três governos seguidos, seria reeleito pela quarta vez, os novos governantes africanos parecem gostar de se perpetuar no poder.

A proposta de Mel Zelaya de adotar o continuismo presidencialista em Honduras parece agradar bastante ao Presidente Lula, um defensor do mandato do deposto presidente hondurenho e confesso admirador da longa permanência de Roberto Mugabe, por 37 anos, na presidência do Zimbabue, na Àfrica, como já declarou em entrevista a jornalistas brasileiros no decorrer de visita àquele país.

O Presidente brasileiro deve gostar ainda mais de José Eduardo dos Santos, presidente de Angola, líder revolucionário que derrotou o colonialismo português e, após trinta anos no poder, promulgou a primeira constituição do país, a qual elimina a eleição presidencial direta e a substitui pela simples indicação do político que presidir o partido político vencedor majoritário das eleições para o Congresso nacional, para exercer o mais importante cargo político do republicanismo. Vale destacar um preciosismo introduzido na Constituição de Angola por José Eduardo dos Santos: o presidente eleito pela nova regra só poderá ter dois mandatos consecutivos, o que significa que o grande líder africano de língua portuguesa poderá permanecer no cargo até 2022, quando comemorará quarenta anos empalmando o poder, bastando, para tanto, que o partido político que lhe dá sustentação, o Movimento Popular pela Libertação de Angola, vença as próximas eleições previstas para acontecer em 2012.

Em tempo: Fidel Castro, o tirano cubano, levou apenas dez anos para promulgar a primeira constituição de Cuba, após derrotar a ditadura de Fulgêncio Batista no ano da graça de 1959, e, nesse sentido, é muito mais moderno que os governantes de África, embora já ocupe o poder por meio século, tendo, recentemente, o repassado para seu irmão, Raul Castro.

No caso de Cuba, parece que os Irmãos Castro estão fundando um modelo dinástico, o castrismo-monarquista “Los Hermanos”, no continente americano, uma obra política no estilo divino, um deus ex machina, que deve estar encantando os políticos neopopulistas defensores do chavismo e do lulismo, ou seja, do continuísmo presidencialista.

Talvez a admiração do Presidente Lula pela longevidade dos períodos presidenciais africanos, deva-se ao seu entendimento de que aqueles cidadãos que alcançam o cargo político mais importante do republicanismo, tornam-se homens diferenciados dos mortais comuns, podendo, inclusive, em certas situações, pairar acima das leis que são feitas para ser aplicadas a todos os cidadãos em uma determinada sociedade, seja ela africana, americana ou marciana.

Nesse sentido, do direito divino dos primeiros mandatários de flanarem acima das leis que punem os cidadãos comuns, o Presidente Lula, ao embarcar para o Cazaquistão em visita oficial, em 17/06/2009, declarou à imprensa brasileira, ao ser questionado sobre graves acusações contra o político José Sarney, denunciado pela imprensa por nomeações patrimonialistas no Senado Federal, por ele presidido no segundo mandato petista, e por outras que geraram apropriação indébita contra os cofres públicos, cometida por gente de sua indicação à Presidência da República, para o exercício de funções públicas, que “Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”.

Portanto, para o Presidente Lula, qualquer cidadão, como ele próprio, que venha a ocupar o posto de mandatário nacional, tem o direito de ter os seus atos cotidianos, legais ou ilegais, julgados por uma legislação diferenciada daquela que o parlamento nacional elabora para orientar, fiscalizar e punir o cidadão comum. Aqui fechamos o parênteses aberto alguns parágrafos acima.

Após tantas digressões indiretamente vinculadas à questão do continuísmo presidencialista, voltemos à questão hondurenha, e mais diretamente ao método do império norteamericano de intervenção nos assuntos internos de países tradicionalmente dependentes da sua economia. Imagino que, se o Brasil fosse o Grande Irmão do Sul, e Honduras dele economicamente dependente, o Presidente Lula já teria sido ensinado pelo Itamaraty a pronunciar a celebre frase de Theodore Roosevelt: “Please, speak softly, but do carry a big stick”, e que, naturalmente, seria complementada por esta outra pérola: “I want Mel Zelaya back”.

Entre os dias 11 e 15 de janeiro corrente, o embaixador Hugo Llorens, dos EUA, reuniu-se com o presidente eleito de Honduras, Porfirio “Pepe” Lobo Sosa, acompanhado do seu Ministro da Defesa, Adolfo Lionel Sevilla, para, mais uma vez, dirigir um pedido de renúncia a Roberto Micheletti, que, segundo estes senhores, deveria fazê-lo antes do dia 27 do mesmo mês, dia da posse do novo presidente.

Conforme noticía a imprensa de Honduras, Roberto Micheletti recusou-se a atender ao apelo que lhe foi feito por Adolfo Sevilla, representando Porfirio Lobo e Hugo Llorens. E o Ministro da Defesa, nomeado pelo novo presidente, retornou à Casa Presidencial, desta vez acompanhado pelo presidente eleito, para, novamente, ouvirem o presidente em exercício afirmar que não existia cobertura legal para a sua renúncia ao mandato presidencial.

No dia 21 de janeiro corrente, convocado pelo Tribunal Supremo Eleitoral, Porfirio “Pepe” Lobo Sosa recebeu as credenciais de presidente eleito de Honduras no pleito realizado em 29 de novembro de 2009, juntamente com os 128 deputados e seus suplentes, além dos 20 deputados eleitos para o Parlamento Centroamericano e dos 298 prefeitos municipais.

Nesse mesmo dia 21, configurada oficialmente a eleição de um novo presidente, o Presidente Roberto Micheletti convocou e realizou a sua última reunião ministerial, ocasião em que comunicou, por rede de televisão, ao povo hondurenho, que iria ausentar-se do exercício de suas funções públicas, e não renunciar à Presidencia da República, ou seja, que continuava presidente do país, nomeado pelo Congresso Nacional desde 28 de junho de 2009 e até 27 de janeiro de 2010, em cumprimento ao que determina a Constituição de 1982, e que, por outro lado, estava desocupando a Casa da Presidência, para que o novo presidente, que será empossado no dia 27 próximo, possa encontrá-la já desocupada e pronta para recebê-lo como manda a tradição.

Em sua última mensagem ao povo de Honduras, o Presidente Roberto Micheletti lembrou que, nos sete meses do seu mandato, o país soube lutar com valentia e independência em defesa da democracia e da soberania de Honduras, e o mundo não conseguiu dobrá-los, nem a ele nem ao povo, sabendo, ambos, resistir às enormes pressões de instituições internacionais e nações muito poderosas para que reconhecessem um crime que não cometeram.

No entanto, para Roberto Micheletti, o maior êxito do seu governo foi lograr a celebração de eleições livres e transparentes, das quais participou a grande maioria da cidadania, amparada no texto constitucional vigente e na sua interpretação e aplicação pelas autoridades públicas em exercício nas instituições jurídicas de Honduras, conseguindo-se, assim, dar continuidade plena à vida democrática do país, para, finalmente, dar posse ao novo presidente eleito, no dia 27 de janeiro de 2010, no Estádio Nacional em Tegucigalpa, perante cidadãos hondurenhos e representantes dos países que reconhecem a absoluta lisura do processo eleitoral realizado no mês de novembro passado.

Para o mundo inteiro, em especial para as nações americanas e européias, a grave crise política que assolou Honduras nos últimos sete meses e as soluções legais que a resolveram, sempre fundamentadas no texto constitucional e na legislação infraconstitucional, constituem uma expressiva lição de democracia e respeito ao conjunto de leis que organizam toda e qualquer sociedade política, que, institucionalmente, se faça soberana e independente, em qualquer espaço geográfico do planeta Terra, configure-se ela na América, na Europa, na Àsia ou na Àfrica.

Aguardemos os fatos políticos que desabrocharão em Honduras na seqüência da posse do novo presidente, Porfirio Lobo, e enquanto seguramos nossa ansiedade e nossas expectativas, repitamos, como sempre o faz o Presidente Roberto Micheletti: “Viva Honduras! Viva Honduras! Viva Honduras!”.



(Texto elaborado e concluído entre os dias 23 e 24 de janeiro de 2010)

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