quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

(VI) Honduras contra o mundo: para que serve uma Constituição do lado de baixo do Equador?

É vergonhosa a forte pressão política exercida pelos EUA e pela OEA contra Honduras, verbalizada pelas vozes do Secretário Geral da OEA, José Miguel Insulza, e pelo Secretário Adjunto para o Hemisfério Ocidental dos EUA, Craig Kelly, sob a desculpa de que o novo presidente, o cidadão Porfirio “Pepe” Lobo Sosa, eleito com mais de 55% dos votos válidos, de um total de pouco mais de 2,3 milhões de comparecimentos ás urnas, pois a outra metade dos 4,6milhões de eleitores hondurenhos luta pela sobrevivência fora do país, em especial na economia do Grande Irmão do Norte, só poderá ter reconhecida a sua ascensão á presidência, pela comunidade internacional, se for respeitada uma cláusula do Tratado de Tegucigalpa-San José que pede a formação de um “governo de conciliação nacional”, contando com a participação do presidente deposto legalmente, em 28 de junho de 2009, por ter infringido cláusulas constitucionais, o fervoroso adepto do bolivarianismo chavista, José Manuel Zelaya Rosales.

Aliás, o próprio Mel Zelaya não aceitou a proposta internacional em apreço, exigindo o seu retorno imediato ao cargo de presidente efetivo da República de Honduras, com plenos poderes presidenciais em suas exclusivas mãos, não admitindo qualquer tipo de divisão desses poderes com outros representantes indicados pelas demais instituições de governo e da sociedade civil hondurenha, como imaginaram os políticos e técnicos que elaboraram o fracassado Tratado de Tegucigalpa –San José.

Se somarmos os 55% de votos obtidos por Porfirio “Pepe” Lobo Sosa, cerca de um milhão e duzentos mil votos, aos 900 mil votos dados ao candidato Elvin Santos, que chegou em segundo lugar nas eleições hondurenhas do último dia 29 de novembro de 2009, representando, portanto, mais 40% dos votos válidos nessas eleições, facilmente concluiremos que 95% do povo hondurenho rejeitou, pelas urnas, o desastrado governo de Mel Zelaya, a quem teve de suportar por três anos e meio, ou seja, de 27 de janeiro de 2006 a 28 de junho de 2009, quando ele foi deposto por decisão judicial transitada em julgado, emitida pela Corte Suprema de Justiça, após três avisos judiciais de impedimentos constitucionais, entregues ao Secretário de Estado para Despachos da Presidência, Enrique Flores Lanza, todos ignorados pela presidência.

Foi esta estúpida resistência presidencial o que justificou e provocou uma sentença de deposição emitida sob o amparo da Constituição vigente desde 1982, em decorrência de crimes cometidos contra a mesma, por delitos nomeados tais como: (1) contra a forma de governo; (2) traição à pátria; (3) abuso de autoridade e (4) usurpação de funções públicas, todos em prejuízo da administração pública e do Estado de Honduras, que foi devidamente acompanhada de ordem de prisão do cidadão José Manuel Zelaya Rosales , por outros crimes por ele cometidos, ainda no exercício da presidência, e que estão devidamente capitulados no Código Penal de Honduras.

Mais vergonhosa ainda, pior: insultuosa, é a exigência de ambas tristes figuras diplomáticas de que o presidente interino de Honduras, Roberto Micheletti, tem que renunciar antes do dia 27 de janeiro corrente, pois, somente após este ato político ilegal, a comunidade internacional poderá reconhecer e validar o processo eleitoral que ungiu Porfirio “Pepe” Lobo Sosa como o novo mandatário hondurenho.



E por que o referido ato da renúncia de Roberto Micheletti, exigida para antes do dia 27 de janeiro, data determinada constitucionalmente para a posse presidencial, não pode ser estipulada por organizações ou governos estrangeiros? Porque, além de significar uma indevida interferência estrangeira nos assuntos internos de um país que respeita as normas do direito constitucional e do direito internacional, tal ato político reveste-se de ilegalidade, pois, na seqüência da deposição legal de Mel Zelaya, atendendo a um dispositivo constitucional, conforme o Artigo 242 da Carta Magna do país, somente o presidente do Congresso Nacional de Honduras em exercício poderia ocupar o cargo vago da presidência da República, e este cidadão, legitimamente eleito pelo povo hondurenho, era Roberto Micheletti.

Por outro lado, atendendo ao Acordo de Tegucigalpa-San José, o Congresso Nacional de Honduras foi consultado sobre a decisão de destituir a Mel Zelaya, e em 2 de dezembro passado ratificou tal decisão, o que confirmou a legalidade da permanência de Roberto Micheletti, com amparo na Constituição, no cargo de presidente hondurenho, até o dia 27 de janeiro de 2010, quando, então, deixará a residência oficial da presidência da República, sem que tenha, necessariamente, que repassar a faixa de presidente a Porfirio”Pepe” Lobo Sosa.

Mas, se a crise política hondurenha pode se resolver dentro dos parâmetros legais do país, isto não parece se enquadrar nos objetivos geopolíticos norteamericanos, tampouco nos interesses ideológicos bolivarianos de Mr. Hugo Chávez.

Na verdade, o pedido de renúncia de Roberto Micheletti para antes da cerimônia de posse do presidente eleito em 29 de novembro passado, serviria para sustentar e dar vida à fracassada tese, internacionalizada e abertamente defendida pela OEA, de que, no dia 28 de junho de 2009, houve um golpe de Estado em Honduras, o que ajudou a diplomacia brasileira a melhor defendê-la, tratando o legítimo presidente interino como se ele fosse um presidente de facto.

Vamos abrir um parênteses para tentar mostrar como a comunidade internacional, organizações e países, tratam de modo bastante diferenciado a dois governos localizados no mesmo continente americano.

Nesse sentido, é interessante observar que a competente diplomacia brasileira não se atreve a nominar os irmãos Castro, Fidel e Raul, de presidentes de facto de Cuba, pois o mundo inteiro sabe que as eleições cubanas constituem um fraudulento arranjo eleitoral, ou melhor, uma desajeitada manipulação eleitoral, muito bem controlada pelos famigerados Comitês de Defesa da Revolução, uma invenção de inspiração sino-soviética do próprio Fidel Castro, e pelas selvagens e truculentas Brigadas de Ação Rápida existentes em cada grande edifício, rua, quadra ou quarteirão das cidades cubanas, uma cópia das SS nazistas, equivalentes ás organizações paramilitares dos Tonton Macoutes haitianos e dos Comandos de Caça aos Comunistas brasileiros, o que não impede o Presidente Lula de achar que “o povo cubano é o mais politizado do planeta Terra”.

Quando elogia o povo cubano naquilo que diz respeito ao grau de politização alcançado, o presidente brasileiro, com certeza, deve estar se referindo às cidadãs María Elena Cruz Vilela e Yoani Sánchez. A primeira, poeta mimada e celebrada até 1989 pelo regime castrista, mas que caiu em desgraça logo a seguir, em 1991, ao assumir uma posição de defesa dos direitos humanos na Ilha de Fidel.

O presidente brasileiro, o “cara” segundo Barack Obama, deve ter perfeito conhecimento das barbaridades cometidas pelas Brigadas de Ação Rápida contra a poeta cubana em apreço, cujos brigadistas, enlouquecidos, invadiram-lhe a residência e golpearam-na com barras de ferro, arrastando-a pelas escadas, degraus acima até o primeiro pavimento da casa, onde enfiaram-lhe na boca o documento Manifesto dos Intelectuais, de cuja redação participara, obrigando-a a engoli-lo. Não satisfeita, a turba brigadista arregimentou uma pequena multidão de cerca de trezentas pessoas que, incentivada pelos defensores da revolução pagos pelo castrismo, apedrejaram a residência e destruíram os livros da escritora, no mais autêntico ritual fascista-comuno-castrista. María Elena foi presa, julgada e condenada a dois anos de prisão, pelo crime de “distribuir impressos difamando o governo e incitando a população à desobediência civil”, conforme revelou Antonio Rangel Bandeira em sua esclarecedora obra “Sombras do Paraíso”, uma análise crítica da Revolução Cubana, publicada no Brasil em 1994, e que foi completamente ignorada pela intelectualidade e pelos políticos brasileiros.

O caso de Yoani Sánchez é mais recente, e apenas confirma a continuidade da crueldade do Estado policial cubano, pois ela tornou-se uma blogueira de sucesso internacional, que luta contra a absoluta falta de liberdade em Cuba, divulgando como pode o fracasso da Revolução Cubana já cinquentona, revelando as injustiças e as carências diárias, inclusive alimentar, sofridas pelo povão que não é sustentado pelo regime castrista, que não tem direito de receber ajuda sequer equivalente ao programa da Bolsa Família que o governo petista copiou do governo FHC, nem tem acesso à rede de saúde pública para turista ver e sair elogiando.

Seria interessante se o Presidente Lula tivesse o hábito da leitura e pudesse ler o livro de Yoani Sánchez , “De Cuba com carinho”,edição de 2009, e mais importante ainda que também pudesse ler “Viagem ao Crepúsculo”, também de 2009, do brasileiro Samarone Lima, que, sem saber, faz as mesmas denúncias de Yoani sobre a realidade cotidiana do “mais politizado povo do planeta Terra”, após uma temporada no paraíso castrista, para, segundo ele, ver de perto as realizações alcançadas pela Revolução Cubana, na qual sempre acreditou como um movimento político libertador. A propósito, a politizada cidadã cubana Yoani Sánchez foi alcançada pelas Brigadas de Ação Rápida e recebeu os primeiros e merecidos corretivos que estava a merecer. O Presidente Lula pode não ter lido os três livros acima citados, mas Frei Betto com certeza os conhece e os leu com indignação.

Fechemos o breve parênteses sobre a realidade do “povo mais politizado do planeta Terra” e voltemos à crise hondurenha.



O cerco político internacional a Honduras é tão forte que supera o cerco correspondente a Cuba, por isso mesmo o Congresso Nacional tentará aprovar um projeto de anistia geral, na próxima segunda feira, 11 de janeiro, que beneficiará a todos os protagonistas dos fatos ocorridos em 28 de junho de 2009, e que culminaram com a defenestração de Mel Zelaya.

A maior parte das principais instituições da sociedade hondurenha não concorda que se aprove qualquer tipo de projeto que anistie qualquer um dos envolvidos na crise política, que foi provocada, como provam as reações políticas dentro e fora do país, pela saída intempestiva do presidente legalmente deposto em 28 de junho de 2009.

Para analistas hondurenhos, não se deve anistiar, portanto , perdoar e esquecer, aqueles indivíduos que cometeram delitos “políticos” por corrupção extrema, abuso irracional de autoridade, incapacidade e improbidade administrativa temerária, afinal, a paz e a harmonia interna no cenário político do país foram quebradas pelo desrespeito à lei vigente, e quem a violentou deve ser julgado pelas instituições jurídicas, como determina a Carta Magna de Honduras. A sociedade hondurenha manifesta-se, diariamente, pela imprensa, para denunciar que a proposta de um projeto de anistia para perdoar delinqüentes políticos só interessa aos “gringos”, ou seja, a instituições internacionais fracassadas, como a OEA e a ONU , ou a países como os EUA, a Venezuela, a Espanha ou o Brasil, defensores de seus próprios interesses ideológicos ou comerciais.

No entanto, a pedido do novo presidente eleito em 29 de novembro passado, tentando demonstrar sua independência e a soberania do país, nesse mesmo dia 11 de janeiro, além de votar um projeto de anistia, o Congresso Nacional também denunciará e votará a derrogação do tratado de adesão à Alternativa Bolivariana para a América Latina, a ALBA de Hugo Chávez, assinado por Mel Zelaya, uma iniciativa que se provou, segundo analistas hondurenhos, ser muito mais política e militar do que simplesmente comercial, até porque, após a defenestração do presidente, a Venezuela deixou de vender petróleo a Honduras. Também já está decidida a devolução de 160 milhões de dólares norteamericanos correspondentes ao empréstimo feito pela Venezuela, em decorrência da assinatura do referido acordo, bem como dos 100 tratores agrícolas que nunca foram distribuídos por Mel Zelaya.

O projeto de anistia não pretende incluir os delitos comuns, mas sim os delitos comuns conexos, tais como o abuso de autoridade, a desobediência civil e aqueles provocados pela resistência zelaista em suas violentas manifestações de rua nos últimos sete meses da crise, alguns deles chegando a transformar-se em vergonhosos atos de puro vandalismo.

Resta-nos aguardar, com ansiedade e expectativa, o desfecho final das discussões sobre o projeto de anistia solicitado pelo presidente eleito de Honduras, “Pepe” Lobo, que espera assumir o cargo dispondo desse tipo de instrumento jurídico para, quem sabe, poder atender aos anseios da chamada comunidade internacional interessada em ver solucionada a crise hondurenha.

Por último, mais não menos importante, o Ministério Público de Honduras encaminhou ao poder judiciário um “requerimento fiscal” contra a junta de comandantes das Forças Armadas hondurenhas responsáveis pela expatriação de José Manuel Zelaya Rosales, o presidente legalmente deposto em 28 de junho do ano passado. A justiça hondurenha já designou o presidente da Corte Suprema de Justiça para ser o juiz responsável por esta causa, o qual deverá decidir se o requerimento interposto reúne os requisitos para ser admitido pelo tribunal e se atende ao pedido de prisão dos denunciados pelo Ministério Público, ou se os mesmos podem responder em liberdade ao processo que lhes é movido pelo Estado hondurenho.

Enfim, ainda que Honduras seja implacavelmente criticada como um Estado governado por um presidente golpista, por instituições internacionais como a OEA, ou por outros países, como o Brasil e a Venezuela, o pequeno país centroamericano tem sabiamente conduzido, de forma democrática e republicana, os conflitos decorrentes da grave crise política que se instalou no país desde o dia 28 de junho de 2009.

(Texto elaborado e concluído em 09 de janeiro de 2009)

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