O mundo político brasileiro
atravessa um momento de intensa agonia frente às denúncias de acordos de
corrupção que transferem enormes somas de recursos financeiros desviados dos
cofres públicos para os bolsos dos representantes e governantes, no poder ou
fora dele temporariamente, eleitos por sufrágio universal, e nós, pobres
cidadãos assistimos bestializados a
todo este imbróglio, como a cidadania
nossa avozinha presenciou, também bestializada,
o episódio da proclamação da República, em 1889, sem qualquer tipo de participação.
Hoje, continuamos sendo bestializados, porque mecanismos de
democracia direta como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, previstos
na Constituição, são pouco utilizados com oportunidade e eficiência, pois
dependem de o Congresso Nacional os autorizar ou admitir. Vejam-se as
dificuldades enfrentadas, recentemente, pelo grupo de cidadãos que conseguiu
levar até o fim o projeto conhecido como da ficha limpa.
Há muito tempo, em nosso país,
movimentos de corrupção solapam os esforços de governos que se sucedem em
tentativas de posicionar o Brasil nos, digamos, caminhos do desenvolvimento
sustentável, e nenhum grupo político que se alça ao poder, seja ele de direita
ou de esquerda, armado ou desarmado, tem favorecido o uso de mecanismos de
democracia direta, mesmo que inseridos no texto constitucional de 1988, por
mérito de uma Assembleia Constituinte, responsável pela elaboração de uma
Constituição apelidada de cidadã.
Podemos deduzir que a alma
política brasileira foi forjada e bestializada
pelo colonialismo português que não admitia a participação popular nas decisões
de governo, afinal os reis nossos avozinhos tinham o respaldo divino para
excluir o povo do acesso às tetas públicas.
No entanto, passados quinhentos
anos da visão deslumbrada do Monte Pascoal em território baiano, pelos
navegadores portugueses, e chegando ao poder um partido político que se dizia
de esquerda e do trabalhador, nem assim conseguimos ver implantado um mecanismo
destinado a promover verdadeiras ações democráticas diretas, balizando o
caminho para o sonho da democracia deliberativa, pois o tão badalado orçamento
participativo petista nada significava em termos percentuais na arte de dividir
o poder de governar e bem atender às demandas da cidadania.
Quem, por sorte de ser militante ou servidor
público, participou de reuniões do primeiro governo petista em Brasília, à
época, para discutir a implantação do orçamento participativo, teve a
oportunidade de entender que o povo, mais uma vez bestializado, só poderia discutir a alocação de, no máximo, 15% do
orçamento disponível, ou seja, os governantes, como sempre, mesmo em um governo
de esquerda, continuariam com o direito supremo de decidir como manejar o
dinheiro arrecadado desse mesmo povo que os conduziu ao poder, e o cidadão, bestializado, a tudo assistiu como
figurante.
Na sequência das eleições no
Distrito Federal, o Partido dos Trabalhadores mais uma vez chegou ao poder, agora
liderado pelo médico Agnelo Queiroz, ex-deputado, e dessa vez contando com o
respaldo de uma presidência da República petista após dois mandatos exercidos
com relativo sucesso. Ao final de mais uma oportunidade de governo, por sua
obra e artes políticas, o projeto de reeleição do PT foi rejeitado nas urnas
por cerca de 70% do eleitorado brasiliense, na esteira do mais caro estádio de
futebol já construído no país, coisa aí da ordem de dois bilhões de reais,
enquanto o sistema de saúde pública sofria um brutal sucateamento. Assim, foi
enterrada de vez a proposta de orçamento participativo no Distrito Federal, um
possível mecanismo de democracia direta que, se conduzido honestamente, poderia
levar-nos a uma democracia deliberativa à brasileira.
Será que o tema da democracia
direta é objeto de discussões e reflexões apenas no eterno país do futuro, como
pensou e escreveu Stefan Zweig sobre o Brasil?
Não, é a resposta a tal
questionamento sobre a possibilidade do exercício da democracia direta pela via
de mecanismos políticos no resto do mundo democrático espalhado no globo
terrestre.
Nos Estados Unidos, em especial
nos estados da região Oeste, com destaque para a Califórnia, por exemplo, este
é um tema bastante discutido, já acumulando milhares de livros, ensaios,
artigos e até exemplos práticos sobre a participação dos cidadãos por meio de
mecanismos de democracia direta, que funcionam como suplemento do projeto republicano da representatividade política, desenhado e armado com fundamento nas chamadas reflexões Madisonianas, de cujas discussões
representantes californianos não puderam participar, pois, quis o destino, ou o
tempo, senhor da razão, a conquista do Oeste só se daria um pouco mais adiante.
E quais seriam os mecanismos de
democracia direta que suplementariam a representação republicana desenhada pelos pais
fundadores da bicentenária constituição norte-americana, um texto que recebeu
apenas vinte e sete emendas em dois séculos de existência, mas que, segundo os
estudiosos do tema, sofreu modificações importantes através de meios informais,
sem o necessário aprofundamento das discussões no Congresso Nacional e sem uma
consulta democrática à cidadania?
Sem maiores surpresas, tais
mecanismos são: a iniciativa popular, o referendo e a revogação do mandato parlamentar, todos do pleno conhecimento das elites políticas
brasileiras, os dois primeiros deles até inseridos em nosso texto
constitucional vigente, e o terceiro adotado em nossa primeira constituição
republicana de 1889.
Antes de quaisquer comentários
sobre os referidos mecanismos utilizados para o exercício da democracia direta
nos Estados Unidos, os estudiosos acadêmicos naquele país apontam a principal
motivação que tem fortalecido este ativismo de modo crescente: a perda
da confiança dos cidadãos no funcionamento dos tradicionais poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
E essa crescente perda de
confiança nas instituições do modelo político norte-americano tem sido
estimulada, dentre tantos outros fatores, apontam centenas de estudos e
pesquisas, pelo sistema de financiamento das eleições, pelos meios de
comunicação privados, incluindo-se aqui as modernas redes sociais, e, finalmente,
pela polarização da política norte-americana.
E os norte-americanos acrescentam
que o mau funcionamento das três esferas de governo tem levado ao surgimento de
disfunções governamentais, exageros judiciais e favorecimentos de grupos de
interesses pelo legislativo, e por causa disso o eleitorado tem aventado a
necessidade de reformas constitucionais, pois a presente ordem constitucional,
velha de dois séculos, tem contribuído para causar desastres na política, ou,
mais enfaticamente, resultados governamentais que não interessam a nenhuma
facção política, em poucas palavras, resultados que não são do interesse de
ninguém, claramente decorrentes do mau funcionamento das instituições públicas
entregues a políticos negligentes e gerentes ineficientes ou causados, de
propósito, por administradores privados corruptos.
Pode-se perguntar que tipo de
desastres na política, essa mundialmente tão respeitável ordem constitucional
norte-americana, por tanto tempo tão elogiada e copiada, tem causado nas terras
situadas acima da linha do Equador?
Os estudiosos norte-americanos
citam como exemplos de descaminhos pelo menos quatro conhecidos desastres na política
do seu país que, no seu entender, aconteceram em decorrência da ordem constitucional
vigente nos EUA: a) o ataque terrorista às Torres Gêmeas de 11 de setembro de
2001, b) a inundação de New Orleans provocada pelo Furacão Katrina, em 2005, c)
a crise financeira de 2008, e, d) a crescente desigualdade de renda e da
riqueza nos Estados Unidos, nas últimas três décadas do século XX.
Em um breve resumo, os referidos desastres na política dos EUA, de
acordo com os próprios norte-americanos, estão estreitamente vinculados a defeitos incentivados pela ordem constitucional vigente no país desde 1789, e são assim explicados:
a) Nessa
versão, os ataques terroristas às Torres
Gêmeas só puderam acontecer porque o
Congresso norte-americano foi negligente, ao acreditar que o serviço de
inteligência de uma potência econômica e bélica como os EUA funcionária a
contento com tantas agências, por exemplo, com o FBI cuidando de questões
internas, a CIA se ocupando das questões externas, e ainda com a NSA (National
Security Agency) com o poder de acioná-las sob as ordens do Secretário da
Defesa, ou seja, as duas agências não tinham independência para agir por conta
própria. Isso sem contar que os militares dispõem dos seus próprios serviços de
inteligência, o que, inevitavelmente, aumenta o tempo de resposta do país em
matéria de ataques externos. Ao mesmo tempo em que o sistema de inteligência
para defesa do país era tão dividido, o Departamento de Defesa, aliado a seus
representantes no Congresso Nacional, se perdiam permitindo a criação de mais de dezenove
diferentes comissões e subcomissões, que nada entendiam do
tema serviços de inteligência, graças
à ordem constitucional que delegou à casa legislativa o direito de tratar como
lhe aprouvesse de tão fundamental assunto em um tempo completamente
diferenciado da realidade tecnológica em que viveram os formuladores da
Constituição em 1789. Em números, como apreciam os norte-americanos, os ataques
às Torres Gêmeas mataram 3.000 cidadãos e causaram um prejuízo calculado em U$
500 bilhões.
b) A
inundação da cidade de New
Orleans pelas águas do Lago Pontchartrain,
provocada pelo Furacão Katrina, em agosto de 2005, é considerado um desastre da
política pelos próprios analistas norte-americanos em razão da ordem
constitucional criada pela separação dos poderes, segundo eles um sistema
federalizado que, no geral, não compartilha o poder, em outras palavras, sempre
que uma ação exigir coordenação, cada esfera de governo tem o direito de veto
sobre o resultado do processo político, como estabelecido pela Constituição de
1789, pois a ideia à época era proteger ao máximo os cidadãos de possíveis
ações autoritárias do governo federal. Assim, o fracasso na resposta ao
desastre em apreço expôs uma das fraquezas da constituição norte-americana: a
ausência de um mecanismo para coordenar o trabalho dos governos local, estadual
e federal. Apontam os analistas deste caso que se pode identificar a
fragmentação dos poderes e das autoridades governamentais, estabelecida pelos
constituintes de 1789, até mesmo antes do desastre, pela falta de coordenação
entre o planejamento da construção das barreiras de contenção das águas do Lago
Pontchartrain, pelo governo federal, e a responsabilidade pela manutenção das
mesmas pelos governos local e estadual. Resultados do desentrosamento
político-governamental: 1.400 mortos, milhares de cidadãos feridos e
desabrigados e bilhões de dólares de prejuízo para as economias local, estadual
e federal.
c) O
terceiro desastre se materializa com a
crise financeira de 2008. Apontam os analistas
norte-americanos que este era um desastre anunciado há muito tempo, pois a
circulação do capital nos EUA é respeitada como fator primordial para o
dinamismo desenvolvimentista do país, mas as rédeas que procuram controlar o
segmento do capital financeiro são bastante curtas, como denunciou Karl Marx.
Assim, os representantes do capital financeiro conseguiram impor uma
“desregulamentação” do sistema para deixa-lo assumir mais riscos, com a
desculpa de que isto criaria mais riqueza para todos. Mais uma vez, a
existência de múltiplas agências de controle produziu um acordo que possibilitou
uma maior confiança em mecanismos de mercado do que em uma séria estrutura regulatória
e de supervisão do sistema financeiro, que fosse discutida pelos técnicos do
Tesouro Nacional e aprovada pelo Congresso Nacional e que seria conduzida pelas
principais autoridades monetárias federais. Em setembro de 2008, o Secretário
do Tesouro tentou convencer o Presidente Bush a apoiar uma ajuda federal de
enorme custo ao sistema bancário, pois a economia inteira já estava ameaçada
pela crise financeira. A explicação dada sobre a crise escondeu do presidente
que a proposta de desregulamentação fazia parte de um ciclo iniciado nos
governos Carter e Reagan e tivera sua origem na era do New Deal, contando com o
apoio de políticos e autoridades monetárias vinculadas aos partidos que vem comandando
a política desde o projeto de Franklin Delano Roosevelt, criador de uma “ideologia da regulamentação governamental”, responsável por quase
quatro décadas de estabilidade sem uma grande crise. Porém, nos anos 1980 o
setor-chave do sistema financeiro, liberado do controle da estrutura básica de
regulamentação vigente, criou o “mercado de derivativos”. Na sequência, o fracasso
em regulamentar o mercado de derivativos e muitas outras inovações, tornou
possível uma década de “frenesi financeiro" que acabou por gerar a pior
crise financeira e a mais profunda recessão econômica que o mundo enfrentou
desde a Segunda Guerra Mundial. Para interrompê-la, as autoridades monetárias dos
EUA buscaram a legitimação que só o Congresso Nacional do país podia dar, abrigado
pela arquitetura constitucional construída no século dezoito, ainda vigente
como ordem constitucional contemporânea, e apenas ele capaz de autorizar o
poder Executivo a liberar bilhões de dólares do Tesouro Nacional para salvar o
sistema financeiro e os bancos responsáveis pelo desastre. No entanto, por
ironia, foi esse mesmo Congresso Nacional norte-americano que permitiu o
surgimento de um defeituoso esquema regulamentador do sistema financeiro, a
desregulamentação que possibilitou empréstimos predatórios e a mais
irresponsável especulação no comércio da construção civil e do financiamento
habitacional nos EUA de todos os tempos, o que atraiu o segmento de renda
mínima, a classe média e os ricos. Para completar o desastre, nenhuma
explicação sobre a crise foi dada ao público que teve que suportar suas
consequências, e o prejuízo total materializou-se com US$ 13 trilhões
desmanchando-se no ar, uma riqueza correspondente ao Produto Nacional Bruto de
um ano inteiro da produção econômica dos EUA. Enfim, o desastre da crise
financeira de 2008 causou a pior recessão dos últimos setenta anos, destruindo
empresas e economias nacionais, como a da Islândia, por exemplo, chegando-se ao
risco de levar o mundo a uma nova guerra mundial.
d) O
quarto desastre considerado traduz-se na questão
da desigualdade de renda nos EUA. Os estudiosos
norte-americanos incluem a desigualdade de renda e a distribuição da riqueza
como um desastre que é piorado pela estruturação do sistema político e pelas
políticas públicas que ele produz sustentado pela ordem constitucional vigente.
Argumenta-se que o sistema político tem se mantido à margem da questão do
crescimento da desigualdade e se esforçado na utilização de vetos criados pela
Constituição para impedir ações destinadas a aliviar essa tendência, e reações
populares como o movimento Occupy Wall Street são considerados como mecanismos
partidários de esquerda, mas a classe média e a de rendimento mínimo nesse país
nunca foram e nem são de esquerda, mesmo em assuntos econômicos. Nesse sentido,
de modo prático, sem ideologia, denuncia-se a estagnação da renda de um
trabalhador de classe média nas últimas três décadas do século vinte, graças à
influência de grandes corporações para aumentar seus lucros, por exemplo, no
mercado de subsídios ao etanol. De outro lado, registram os estudos acadêmicos
a queda da influência política das classes de renda mínima sobre o sistema
político que não mais responde ao sentimento do público na luta pelo aumento do
rendimento mínimo, que, como tema encaminhado aos políticos em Washington, tem sido
constantemente procrastinado, ofuscado, impedido ou servido apenas para jogos
de cena nas discussões do legislativo sobre o assunto. A desculpa de que muitos
vetos constitucionais asseguram a discussão mais adequada de um tema não pode
se aplicar à questão da desigualdade de renda mínima, pois esta permanece, em
2014, nos patamares de 2007, enquanto a renda dos dez por cento mais ricos da
população cresce constantemente a cada ano. Enfim, os segmentos de classe mais
desfavorecidos denunciam que se vive em uma democracia desigual, uma verdadeira
oligarquia conduzida pelos mais ricos em seu próprio proveito, e que esta desigualdade
aponta o que é problemático com a democracia norte-americana: a ordem
constitucional. Em termos
comparativos, a Associação Americana de Ciência Política aponta disparidades
crescentes de desigualdade de renda entre os EUA e países como o Canadá, a
França a Alemanha a Itália e muitos outros países em democracias
industrializadas avançadas, pois, enquanto nesses países a renda é muito menos
concentrada, da metade dos anos 1970 e até 1998, os mais ricos norte-americanos
aumentaram sua renda de duas a três vezes mais do que os mais ricos na
Alemanha, na Inglaterra e na França, por exemplo. Temas arriscados, de cunho
ideológico, como o imposto sobre a propriedade, impopular entre as classes mais
desfavorecidas, nunca são sequer discutidos pelos congressistas, que se
utilizam do poder de veto e de manobras legislativas para manter o status quo prejudicial aos mais pobres, sempre se apoiando em conceitos
como separação de poderes, federalismo e o poder do Congresso Nacional para
estruturar suas próprias operações e decisões.
Em conclusão, o
povo norte-americano não se deixou bestializar
como nós brasileiros no início da nossa República, e seus acadêmicos apontam
que a perda de confiança dos cidadãos nos governantes de seu país teve início
há muito tempo, pelo menos desde 1861-1865, quando os brancos sulistas se
opuseram ao desmonte da estrutura escravagista no século dezenove e
deflagrou-se a carnificina da Guerra Civil entre o norte e o sul dos Estados
Unidos, com mais de seiscentos mil mortos em apenas quatro anos de conflito.
Por isso mesmo, hoje lutam fortemente, com fundamento no exemplo da Califórnia,
pela adoção de mecanismos de democracia direta que suplementem o sistema
político e a ultrapassada, para eles, ordem constitucional norte-americana.
E nós,
brasileiros, o que temos a dizer sobre nossos desastres políticos, nossa ordem
constitucional e nossos mecanismos de democracia direta?
Ora, nós
brasileiros estamos imersos em uma terrível embrulhada política que, para
utilizar uma invenção nacional, se assemelha a um trepidante enredo de telenovela,
graças às emoções causadas por surpresas diárias, por exemplo, com a prisão do
próprio carcereiro-condutor das autoridades e celebridades envolvidas no imbróglio, o “japonês da Federal”, cuja
máscara foi bastante procurada pelos foliões de rua no tradicional carnaval
brasileiro.
Nossos mais
recentes e mais importantes desastres políticos tem apelidos carinhosos,
traduzem a capacidade humorística do caráter nacional, que perde um amigo mais
não perde a piada: o primeiro deles é o “mensalão”,
e o segundo, o “petrolão”. Ambos os truques
fazem parte de uma antiga trama política para arrecadar recursos financeiros dos
cofres públicos, desdobrada em duas ações em curto espaço de tempo, no mesmo
governo petista, liderado por Luís Inácio Lula da Silva, fruto da engenhosidade
e da pressa dos nossos líderes políticos que, contrariando as reflexões de Max
Weber, vivem, a um só tempo, da política e para a política,
e que, dessa vez, exageraram na dose, pois desde muito tempo vem assaltando as burras
públicas impunemente, em especial da estatal do petróleo, a Petrobrás, a quem já se sugeriu mudar o
nome para Petrobrax a troco de um
“pixuleco” de apenas R$ 2 milhões, no governo de Fernando Henrique Cardoso.
James Madison,
um dos louvados pais fundadores da Constituição norte-americana de 1789, antes
de trabalhar na sua construção, refletiu sobre os vícios da jovem política do
seu país recém-libertado do jugo inglês, e saiu-se com um texto muito conhecido
na academia do Tio Sam: “The vices of the american political system” (Os
vícios do sistema político americano). O sistema político brasileiro também tem
apresentado muitos vícios, mas o pior deles, sem sombra de dúvida, é o vício
que os nossos políticos tem de se apoderarem dos dinheiros arrecadados do
cidadão brasileiro. Outro vício político brasileiro que desmoraliza e corrompe
a política nacional é o da imunidade parlamentar com direito à prerrogativa de
foro.
Dessa vez, o
assalto de bilhões de reais ou de dólares às arcas da Petrobrás e de outras
organizações estatais foi de tamanha ordem que “botaram água pelo ladrão”, e
que ladravazes! , e os políticos responsáveis foram “apanhados com a boca na
botija”, e haja botijas! , ensejando a oportunidade de um ativismo judicial que
poderá terminar por fazer uma faxina geral para destroçar as quadrilhas
políticas no poder a tantas décadas, assim, quem sabe, renovando para melhor os
hábitos e costumes políticos em nosso país.
Para que isso
aconteça de verdade, no Brasil, a parte não contaminada da política nacional
terá que se levantar em um movimento que renove as práticas políticas, eliminando-se
do cenário da Praça dos Três Poderes, de uma vez por todas o falido e
desmoralizado presidencialismo de coalizão, inclusive aceitando dividir as
decisões da política no Legislativo contando com a participação dos cidadãos
através da adoção e permanente utilização de mecanismos de democracia direta, como
a iniciativa popular, o referendo, o plebiscito e a revogação do mandato
representativo.
Ousamos afirmar
que sem a adoção de tais mecanismos de democracia direta, qualquer proposta de
mudança do modo de fazer política em nosso país que se recuse a incluir a
participação popular, se denunciará como continuísmo político oportunista
destinado ao fracasso, pois o povo está desiludido e cansado dos jogos políticos
que só favorecem os poderosos e os abastados.
Além do uso de
tais mecanismos de democracia direta, dentre outras medidas, haverá que se
limitar a prerrogativa de foro para autoridades governamentais e parlamentares,
prevista na Constituição de 1988, como se faz nos EUA, onde existe uma justiça
igual para todos, e como já foi no Brasil de 1834 até 1969, quando deputados e
senadores jamais tiveram essa prerrogativa, que protegia apenas a instituição,
o cargo da autoridade. Além de se eliminar tão aristocrático mecanismo
constitucional, passando todos a serem julgados pelo crime cometido já em
primeira instância, vale lembrar que ele é fruto de uma constituinte
responsável por uma Carta Magna republicana e apelidada de cidadã.
Outra medida
inadiável e de fundamental importância para a construção de um país do futuro, deverá
ser a modificação do atual centralismo federalista, deslocando-se uma parte do poder
tributário delegado à União para as unidades estaduais e municipais, sem deixar
de refazer o atual sistema de imposto de renda sobre a pessoa física, para que
o cidadão de renda mínima pague menos imposto que os cidadãos considerados
milionários e bilionários. O sistema eleitoral também pede transformações,
inclusive do seu atual esquema de financiamento, totalmente dominado por uns poucos
poderosos conglomerados, de bancos privados e de empresas do setor da
construção civil. O apoio logístico dos marqueteiros políticos que usam a
telemática para mentir sobre a realidade nacional, favorecendo políticos
desonestos, é outro segmento da política brasileira que deverá ser melhor
regulamentado.
Mas será de
fundamental importância que se tome o devido cuidado para impedir que os
mecanismos de democracia direta se transformem em bandeira exclusiva, e caiam
nas mãos dos arautos do esquerdismo infantil que pregam a ascensão de um único
partido ou de um único líder populista e a defesa de um projeto único de poder,
como foi tentado na prática, sem sucesso, na Venezuela nossa vizinha, e aqui no
Brasil, em discurso que não vingou, nos últimos tempos.
Enfim, para
concluir tão longa reflexão sobre a política e a constituição, devemos lembrar
que a descrença no desempenho dos políticos e as manobras para mudar os textos
constitucionais estão presentes no mundo inteiro, em todos os tempos de sua
quinhentista existência, pois até Charles de Gaulle, um herói do mundo e da
França contemporânea, assim agiu quando inventou um parlamentarismo semipresidencialista
que a cultura política da terra de Montesquieu apoiou e continua em pleno
funcionamento.
Faz-se urgente que
reinventemos a política em nosso conturbado país do futuro que nunca chega, e nossa
esperança está entregue nas mãos dos políticos que podem ajudar nessa inadiável
transformação, porque, se as relações políticas que vivenciamos no Brasil apontam uma democracia decadente, e como ensinou Karl Marx, na
11ª tese dirigida a Ludwig Feuerbach, elas
refletem um estado de coisas
que deve ser abandonado, superado, transformado, para que a democracia renasça, antes que o povo decida agir por conta própria e, mais uma
vez, aventureiros disso saibam tirar proveito.
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