Olá amigos. Depois de tanto tempo, voltei a escrever os meus "simplórios" textos.
Aí vai mais um, inédito.
Uma breve reflexão sobre a realidade política e social no Brasil
contemporâneo.
O Brasil
está mergulhado no caos, retrocedendo em marcha acelerada em busca da barbárie
como processo civilizatório: no território nacional, os cidadãos rumo ao
trabalho, à escola e aos hospitais são, diariamente, vitimizados ou eliminados
como moscas, por uma bandidagem cruel que age impunemente, acobertada sob uma
pletora de leis que se diz elaborada para defender os direitos humanos.
Anualmente,
cerca de 50.000 vidas são ceifadas pelos marginais brasileiros (temos o quinto,
o sétimo e o nono centros urbanos mais violentos do mundo, respectivamente as
cidades de Alagoas, Fortaleza e João Pessoa, na região nordeste do país ), pois
nem cadeias-pocilgas para aprisioná-los nem policiais em número suficiente para
perseguí-los existem neste país.
É verdade que os
Estados nacionais, em especial no mundo em desenvolvimento, e o Brasil pode ser
tomado como exemplo, não mais conseguem atender às demandas da cidadania por
educação de qualidade, por transporte de qualidade, por segurança pública de
qualidade, enfim, por qualquer coisa de qualidade em matéria de serviços
públicos, pelo menos do tipo padrão FIFA para estádios de futebol de qualidade,
ainda que superfaturados e inacabados e de difícil acesso para o trabalhador
que ganhe o salário mínimo.
Sim, o Brasil, diria um cidadão mexicano mais
esclarecido, “es um desmadre”.
Sim, também é
verdade que a políticagem desenfreada levou à falência o modelo político de
Estado proposto e descrito por Thomas Hobbes, em que os cidadãos desistiriam do
direito de fazer o que quisessem, e, em troca, entregariam o monopólio legal da
força (violência) ao monstro imaginário chamado Leviatã (o Estado), o qual se
encarrregaria de garantir a cada cidadão uma segurança pública básica, e,
modernamente, não só isto, mas também educação, saúde, transporte público,
acesso à justiça e segurança jurídica para os negócios.
No Brasil de hoje,
graças a um sistema eleitoral falido e a uma legislação elaborada sob medida
para impedir a disputa em condições de igualdade, nas televisões assistidas por
um povo bestializado pela desinformação, pelo semi-analfabetismo e pela
ignorância e conduzido pelos ditames da telemática, temos encastelado no poder
um grupo político que, há três governos, não consegue administrar um dos PIBs
mais ricos do mundo (de mais de dois trilhões de reais), e que, ao contrário,
vem desmontando políticas fiscais, orçamentárias e de finanças públicas que se
provaram corretas ao longo do tempo, negligenciando o controle da inflação pelo
incentivo desenfreado ao consumo e desprezando o investimento para a
consolidação do desenvolvimento sustentado no longo prazo, além de destruírem o
patrimônio público construído no decorrer dos últimos sessenta e quatro anos.
Vale lembrar que o
Brasil da década dos anos 70 conseguia se desenvolver, antes mesmo da Coréia do
Sul e da China de hoje, a taxas superiores a 10% anuais.
É óbvio que aquilo que os últimos governos vêm
fazendo para destruir instituições nacionais como a Petrobrás e a Eletrobrás
merece, sim, uma investigação pelo corporativo e desmoralizado poder
legislativo brasileiro, além daquela revelada, e ainda em pleno andamento, sob
a responsabilidade da Polícia Federal, instituição comandada pelo próprio
governo.
Sim, os últimos
governantes, preocupados em se manter para sempre no poder, tem feito muito pouco
para que tenhamos escolas em tempo integral, hospitais que funcionem, ao invés
de apenas UPAS, carretas da mulher ou tendas (tendas!) que desabam sob
ventanias e esmagam pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos!
O transporte público
é outro setor pelo qual os nossos governantes também fazem muito pouco,
construindo metrôs com atraso e permitindo muito desvio de recursos públicos
que são divididos entre servidores e políticos que decidem quem operará linhas
de transportes coletivos que o povo e os malfeitores incendeiam por qualquer
contratempo.
Tampouco oferecem a segurança pública exigida por todas as
classes sociais, com uma polícia desacreditada que já não consegue conter os
movimentos populares que flanam pelas ruas dos centros urbanos, prontas para
destruir o patrimônio público e o privado e até assassinar os menos espertos ou
desatentos que lhes atravessam o caminho.
Sim, as multidões descontentes com a
incapacidade administrativa e a falta de planejamento governamentais, avançam
sem medo sobre os policiais, num enfrentamento com paus, pedras, coquetéis
molotov e escudos improvisados, num claro anúncio da barbárie que já chegou e
nos negamos a enxergar.
Esta reflexão merece
dois oportunos comentários acadêmicos. O
primeiro deles, sobre Thomas Hobbes, pensador inglês do século XVII, que afirmou
ser o estado de natureza um estado de guerra “de todos contra todos”, como
vivemos hoje no Brasil, daí sua proposta de oficializar o direito do exercício
da violência, repassando-o às mãos responsabilizadas de um Estado controlado,
nos dias de hoje, por um sistema de governo tripartite , em especial pelos dois
outros braços do poder estatal, o Legislativo e o Judiciário, combinados
harmonicamente por um sistema de pesos e contrapeso. O segundo comentário nos permite lembrar do
francês Jean Jacques Rousseau, figura tão querida dos modernos defensores dos
direitos humanos, que afirmou que Thomas Hobbes estava errado, pois o homem
primitivo era pacífico enquanto vivia isolado, e que a violência só se
desenvolveu em um estágio posterior, quando a sociedade começou a corromper a
moral humana.
Para nós, Hobbes está
muito mais próximo da verdade, já que o processo evolucionário do homem em
matéria de organização grupal o levou dos bandos e tribos às sociedades
políticas, capazes de construir megalópoles tais como São Paulo ou Nova Iorque,
que exigem dos seus governantes competência administrativa e planejamento de
longo prazo a sério, para que a vida
diária possa fluir em condições de igualdade para a maioria, sem abdicar de um
mínimo de ambientes públicos que os abriguem com qualidade e em paz, o sonho da
cidadania em qualquer quadrante do globo.
Sim, as multidões
desamparadas pelo poder público são facilmente instigadas à prática da
violência por lideranças-de-ninguém, indivíduos mascarados, praticantes
ensandecidos de atos de puro vandalismo, rebeldes militontos (obrigado, Frei Betto, pelo blend lexical, in “A mosca azul”, edição de 2006) que se aproveitam
de uma pseudo-garantia constitucional para exercerem o direito de destruir o
patrimônio público e o alheio que, por infelicidade, se ponham no seu caminho
de destruição. Sim, no Brasil de hoje,
aceitamos sem discutir, como se estivéssemos no melhor dos mundos, até com
orgulho e o peito estufado de ideologias ultrapassadas, este caos nosso de cada
dia que, como um maremoto avassalador,assola o país e faz estremecer à desengonçada
e frágil democracia à brasileira.
Deste
cenário de horror, os governantes e os partidos políticos tiram todo o proveito
possível para se manterem, por tempo indeterminado, com as rédeas do poder,
ainda que em alianças com notórios aliados de mãos sujas, e as principais instituições
da sociedade nada fazem para mostrar que o rei de plantão no momento, sim, está
completamente nu.
E
para assim se sustentarem, sem tergiversações, os governantes se socorrem das
fantasias que as mentes publicitárias bem pagas, com o dinheiro arrecadado do
povo, são capazes de transformar em realidade aquilo que não passa de pura
imaginação virtual, pela combinação de imagens, falas e sons que descrevem um
mundo irreal, destoante do dia-a-dia que sufoca os brasileiros, não se pode
esquecer, de qualquer classe social.
E
a oposição política, será que existe no Brasil de hoje? Somos levados a
acreditar que não, pois se comporta com a delicadeza que os destrói no
cotidiano, como diria Paul Valéry, poeta francês, não se sabe se por
incompetência ou por estarem com as
cabeças atordoadas pela legislação eleitoral que ela mesma não se atreve a
tentar modificar.
Sim, é verdade que a oposição política neste país de adoradores de bruzundangas tais como os Bolsa Família, Bolsa
Gás, Bolsa Gestante e outros quejandos, não reage sequer à absurda legislação
eleitoral que privilegia a reeleição de governantes aloprados, a corrupção
praticada a céu aberto e denunciada comprovadamente, a incompetência administrativa
e a absoluta ausência de planejamento público em nosso país.
Enfim, berlusconizado o
Brasil de hoje já está, só não se podendo prever quando ele será putinizado, mas já se farejam no ar
propostas, lideradas por pseudo-estadistas, de convocarmos uma constituinte
para mudar a Constituição vigente, com certeza na esperança de tentar inserir
emendas que venezuelem , argentinizem , equadorizem e
bolivarizem este, por enquanto, infelicitado país, herança dos meus avózinhos
portugueses.
Até quando o Brasil resistirá a este mergulho no caos? Quem fará as
mudanças requeridas pelo sistema eleitoral e pela legislação eleitoral,
democratizando-os de verdade? Quem terá
a coragem de fazer a inadiável reforma tributária que o país tanto necessita,
exige e merece, que retire dos contracheques da classe assalariada e dos
aposentados a responsabilidade maior pelo pagamento do imposto de renda e,
finalmente, cobre dos 5% de multimilionários e banqueiros o que eles podem e
devem pagar? Por último, e o mais importante, por quanto tempo teremos de
esperar por uma nova leva de políticos que queiram e saibam conduzir esta nação
de forma mais civilizada, honesta, racional, competente e digna, como o povo
brasileiro o merece?
Afinal, como acreditar em parlamentar que lidera a Câmara dos Deputados
que, num dia, no plenário da Casa , recebendo o
presidente do Poder Judiciário, ergue o braço e cerra o punho (sem a
luva negra, que injustiça com vocês,
Tommie Smith e John Carlos, medalhistas olímpicos no México, representantes do
movimento Black Panther Party, militantes que defenderam de forma justa a
ideologia do movimento negro nos EUA nas décadas dos anos 60 e 70 ) simbolizando
o poder revolucionário, em inoportuna manifestação de inconformidade contra a
decisão , proferida pelo magistrado visitante, amparada no devido processo legal, que analisou, provou, julgou, condenou e se
atreveu a mandar encarcerar companheiros corruptos de governo do referido
parlamentar,que, no dia seguinte, é apontado como igualmente corrupto por
associação com um conhecido lobista e
doleiro paranaense , preso nos cárceres da Polícia Federal.
É ridícula, para não dizer delirante, a estorinha do avião alugado por apenas cem mil reais, para condução da
família em férias, que, para dizer o mínimo, desrespeita e insulta a
inteligência dos pais de família trabalhadores e honestos que deram votos para
eleger o parlamentar,cuja história ocupa o noticiário dos principais jornais, telejornais e revistas semanais, além de insultante, é indecorosa, de quinta categoria, como se
dizia há tempos atrás, digna de filme de quadrilha mafiosa desastrada. É muita
sorte do povo brasileiro que a Polícia Federal ainda não tenha sido totalmente
cooptada pelo Estado que o político em apreço “ajuda” a comandar por doze longos
anos.
E como esquecer a recente
tentativa de um senador de república
bananeira de tornar-se membro
efetivo do Tribunal de Contas da União, por saber-se inelegível no próximo
pleito, figura que se gabou com tanta euforia, em conversas com outros
senadores, de ter alcançado seu primeiro bilhão de reais, com certeza graças
aos ventos que favorecem seus negócios, o que não o impediu de responder a
vários processos por crimes cometidos contra a sociedade brasileira que não o
elegeu, pois chegou ao Senado da República legitimado pela execrada marca da
suplência que não recebe votos?
Uma pergunta atormenta nossas mentes decepcionadas com a política: com
que sinistras intenções políticas esta figura pretendia tornar-se membro da
mais alta corte de controle das contas públicas nacionais? Prováveis respostas
devem estar regurgitando nas cabeças privilegiadas dos parlamentares
brasileiros que não ousaram aprovar a sua indicação para tão privilegiado cargo
público.
Até quando a classe política
continuará abusando, sem qualquer limite de pudor, da paciência desinformada e
da falta de educação política para o exercício consciente da cidadania deste
sofrido povo brasileiro?
É desanimador ter a certeza de que
as próximas eleições não nos trarão tão ansiada resposta, pois, com certeza e pela
ordem, o dinheiro, a legislação eleitoral, a propaganda publicitária e a telemática não o permitirão,
lotando, mais uma vez, as casas legislativas com o mesmo tipo de gente que se
elege com o intuito de se tornar muito rica, às expensas dos recursos
financeiros arrecadados pelo Estado, uma
verdadeira casta de intocavéis
contracidadãos, sempre à margem
da cidadania que se consome no trabalho honesto.
Que bom seria se o Brasil de
hoje despertasse do enganador sonho político em que vive, e, na hora de
depositar seu voto republicano no próximo pleito, pensasse em reconstrução, em construir
o Brasil de amanhã, começando pela escolha mais criteriosa e bem informada
possível dos seus futuros representantes políticos, para que os novos
escolhidos façam a adiada reforma política que o país espera e exige, há tanto
tempo adiada por interesse exclusivo dos partidos políticos e dos governantes
de plantão, viciados na manutenção de um status
quo que só beneficia e traz vantagens de toda ordem para eles mesmos.
Porém, como disse Calderón de La Barca, a vida
é sonho, e para nós brasileiros, nada mais que sonhos.
Texto elaborado por
José Everaldo Ramalho, 74 anos, graduado em Direito,
aposentado pela Escola Nacional
de Administração
Pública – ENAP,
exerceu Cargo de Natureza
Especial – CNE
na
Comissão do Mercosul, na Câmara dos Deputados.