Atravessamos uma difícil e “inganeísta” fase na política brasileira, e não poderia ser diferente na política local no Distrito Federal. Como no futebol, só podemos desabafar, afirmando: “é a fase!”. Com uma gostosa ressalva quanto ao desempenho do Clube de Regatas do Flamengo, porque teríamos “um desgosto profundo, se não existisse o Flamengo no mundo”!
Porém, em Brasília, tivemos a sorte de poder criar o verbo modal “inganeis” para melhor desabafarmos toda a nossa frustração com os políticos que elegemos para defenderem os verdadeiros interesses da população e da sociedade brasiliense. Que sorte! O nome do governador nos permite um “trocadalho do carilho”!
No período pré-eleitoral o moço beijava e abraçava o homem do povo numa voracidade que dava gosto de se ver: quanta emoção, quanta lágrima, quanto abraço carinhoso, quanta delícia afetuosa, quantas promessas, quantas declarações de amor ao povo!
Sucedendo tamanho e despojado despejamento corporal, acima devidamente adjetivado, após a sua eleição, o que adquirimos foi uma imensa decepção com tanta demonstração de incapacidade administrativa, com tanto cinismo político, com tanta falta de compreensão sobre as permanentes e graves questões de planejamento que afligem o povo brasiliense, com tanto desconhecimento do que fazer com os sistemas públicos de saúde e de educação locais, como aperfeiçoar o sistema de transporte público do Distrito Federal, como melhorar o sistema de sinalização das vias urbanas de Brasília, sem falar na questão maior do desemprego.
De repente, em pouco menos da metade de um período de governo, uma presença que se fazia constante no período eleitoral se torna ausente, com o povo que foi tão beijado e abraçado dela necessitando para cobrar-lhe o que foi tão prometido: apenas uma boa administração.
Tempos políticos difíceis, dominados pelo que se pode nominar de Síndrome do Cansaço Democrático, que, por sua vez, aponta quatro características que se interligam e se reforçam em processos contínuos: a) a falta de políticos profissionais; b) a falta de uma tecnocracia eficiente; c) a falta de uma democracia representativa e ampliada, e d) a falta de um sistema eleitoral mais democrático e representativo.
Quanto ao primeiro dos itens acima relacionados, podemos afirmar que, graças ao telefone celular e às redes sociais, o povo brasileiro alcançou o nível crítico mais elevado que se podia desejar, pois, como nunca aconteceu em tempos passados, hoje o eleitorado de todas as classes sociais entende que os políticos são, em sua maioria, indivíduos carreiristas, uma gente engolidora de dinheiros públicos, indivíduos que estão fora de contato com o cidadão comum, um pessoal cuja presença ao nosso redor não se faz sentir porque raramente se voltam para a busca de soluções para as graves questões sociais que nos afligem.
E o pior é que os chamados políticos populistas exploram a existência dos políticos aventureiros para diagnosticar a crise da democracia como uma crise de pessoal, jogando a culpa pelas más administrações no desempenho dos governantes e parlamentares, apontando-os como uma elite que elabora as leis como uma casta divorciada das necessidades e aflições dos cidadãos.
Pela vertente dos políticos de direita, na Europa esse discurso é verbalizado por Silvio Berlusconi, na Itália, e nos Estados Unidos, por Donald Trump; ainda na Itália, pela esquerda, Beppe Grillo é quem abre a boca com essa fala, e entre nós, é o PT e seus líderes que fazem a festa acusando os demais políticos de se desviarem das necessidades do povo.
De acordo com os populistas, a solução para a Síndrome do Cansaço Democrático estará na eleição dos políticos dos partidos populistas, pois se descrevem como os mais legítimos representantes do povo desprotegido, alegando sempre que, ao contrário dos colegas de direita eles, da esquerda política, estão mais próximos do homem e da mulher das ruas, que eles sabem o que pensa o cidadão comum e quais são as suas necessidades, e, finalmente, que eles são os únicos políticos que estão sempre ao lado do povo.
Assim raciocinando, os políticos de esquerda querem se alojar no poder e dali não mais se retirar, impedindo que os políticos de direita se tornem os dirigentes da sociedade, ainda que em um esperado e natural ciclo de renovação em eleições democráticas.
No entanto, os políticos da esquerda cometem os mesmos erros daqueles da direita: ambas as vertentes políticas alijam sempre o povo do processo decisório de governo.
E o mais grave é que os populistas da esquerda se utilizam do expediente de criar mecanismos de distribuição de riqueza sob o formato de “bolsas” de ajuda aos cidadãos mais desprotegidos, alardeando sem parar este tipo de política pública como de sua exclusividade, o que não corresponde à verdade, enquanto assaltam os cofres das instituições e organizações estatais e transferem para suas contas bancárias pessoais milhões em dólares, como fizeram os governos petistas - associados a empresários, burocratas públicos e tesoureiros de seus partidos políticos, durante quatorze longos anos de administrações incompetentes.
Quanto à eficiência tecnocrática, os políticos não têm sabido utilizá-la como um sistema de especialistas encarregados de cuidar dos interesses públicos, uma categoria profissional cujo conhecimento técnico poderá guiar o país por águas turbulentas. Nas mãos dos tecnocratas a política se torna uma questão de engenharia cívica, apenas um problema administrativo.
Tanto os políticos de direita quanto aqueles de esquerda, quando chegam ao poder, se valem dos tecnocratas para administrar em especial o setor das finanças públicas. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conseguiu sucesso político criando uma moeda forte e respeitada e cuidando das finanças do Estado; Luís Inácio Lula da Silva também tentou cuidar dos recursos financeiros estatais, mas deixou que seus auxiliares assaltassem os cofres de organizações complexas como a Petrobrás; Dilma Rousseff, porém, foi muito infeliz nessa área, e além de levar o país a desequilíbrios financeiros que levaram ao seu impedimento como presidenta da República - como gostava de ser chamada, permitiu que continuassem os assaltos aos cofres públicos da nação. Lula e Dilma tentaram fazer um médico e quadro político petista se transformar em um tecnocrata das finanças públicas, nomeando-o Ministro da Fazenda, e terminaram por dar com o burro n’água: Antônio Palocci, apelidado de Italianinho pelo Departamento de Operações Estruturadas da empresa Odebrecht, está preso, aguardando que a justiça aceite os termos de uma delação premiada por ele encaminhada, em que denuncia os antigos chefes por muitos atos desonestos.
Os tecnocratas acreditam que podem aliviar a Síndrome do Cansaço Democrático dando prioridade à eficiência em detrimento da legitimidade política, na esperança de que apenas bons resultados eventualmente ganharão a aprovação dos governados. Num primeiro momento isto pode até acontecer, mas a política é muito mais do que simplesmente alcançar resultados econômicos eficientes.
Os tecnocratas, assim como também os políticos, esquecem que, muito além das finanças públicas em ordem, os cidadãos cobram outros resultados em setores como o dos transportes públicos, o da saúde pública, o da segurança e o da educação.
E onde podem os cidadãos cobrar resultados de melhor qualidade nos setores acima apontados? Ora, ora, caros senhores políticos e tecnocratas, no parlamento, ou seja, no Poder Legislativo!
E chegamos ao terceiro item da nossa lista de características da Síndrome do Cansaço Democrático: a falta de uma democracia representativa e ampliada.
Não temos políticos profissionais no Brasil, basta observarmos o desempenho do Congresso Nacional descobriremos os aventureiros e aproveitadores que vão se reelegendo e passam a viver da política, o que é diferente de viver para a política.
Aproveitando os argumentos apresentados no desdobramento dos dois primeiros itens da nossa Síndrome do Cansaço Democrático, identificamos alguns dos erros do atual governador do Distrito Federal, cometidos antes de completar a metade do seu mandato de quatro anos: um deles foi acreditar que basta saber ganhar muito dinheiro que isto já revela uma alta capacidade para comandar e administrar politicamente uma unidade da federação; e outro engano é acreditar que comandar e administrar consiste apenas em dar ordens e dispor do poder para nomear e demitir quando bem lhe aprouver.
Por exemplo, nomeando diretores de unidades hospitalares num mês e demitindo-os no mês seguinte. Tal fato só denuncia a incapacidade do mandatário em compreender toda a problemática da área gerencial da saúde pública no Distrito Federal: compreender que nos falta oferecer o planejamento e o treinamento adequados aos administradores hospitalares.
Nesse sentido da formação de recursos humanos, é de fundamental importância conhecer os diversos modelos administrativos na área da saúde pública, no Brasil e no exterior. E é possível formar e treinar bons administradores para a área da saúde pública apenas aproveitando a experiência do Hospital das Clínicas do Estado de São Paulo.
E saber auferir e acumular milhões de reais ou de dólares, graças á própria experiência profissional, não qualifica ninguém como bom administrador público ou privado.
E o eleitorado sabe disso, e está aprendendo rapidamente a identificar os políticos incompetentes, e é apenas uma questão de tempo para alijá-los da arena política, graças ao celular e às redes sociais.
Voltemos ao terceiro item da nossa listinha de características da Síndrome do Cansaço Democrático.
O modelo de democracia que vivenciamos é velho de trezentos anos, e foi copiado em parte do exemplo grego dos tempos de Demostenes, Sólon e outras figuras que governaram por aquelas bandas, há mais de dois mil e quinhentos anos, com sucesso.
Na Inglaterra do século XVII, os monarcas ingleses autorizavam o seu tesoureiro a comprar votos em um parlamento que dava os primeiros passos. E assim foi feito, na velha Albion, durante muito tempo.
Aqui, entre nós, temos um parlamento viciado em muitas mazelas, talvez a principal delas seja a morosidade com que nossos representantes políticos tratam toda e qualquer questão que esteja sob o seu estudo, análise ou debate, pois tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal parecem dispor de todo o tempo do mundo para encaminhar qualquer assunto de interesse da sociedade brasileira. Mesmo em tempos tão incandescentes e sem paciência como o que nós vivenciamos nossas casas parlamentares nunca têm pressa.
Como é possível não querer ver resolvida, no mais curto espaço de tempo, a crucial questão das discussões sobre a validade da prisão em Segunda Instância, em um país com o nível de corrupção vigente e institucionalizada pelos partidos políticos e seus dirigentes?
Talvez mudanças no sistema decisório de nossa democracia, possibilitando-se a participação direta do eleitorado nas discussões e votações no Congresso Nacional, até por plebiscitos e referendos, quando for o caso, possam ajudar a acelerar resultados tão necessários e esperados pela cidadania. Ou isso, ou permaneceremos ao talante de uma elite que se elege para defender os próprios interesses e as demandas das classes sociais e segmentos mais favorecidos do país.
Vamos, por fim, ao último item da nossa Síndrome do Cansaço Democrático: a falta de um sistema eleitoral mais democrático e representativo.
Para começar, nossa pesquisa revela que nos dois séculos de democracia eleitoral na Grécia de dois mil e quatrocentos passados, havia também a eleição por sorteio, quem sabe possamos validar esse tipo de eleição para determinados cargos públicos? Não custa nada experimentar, já que certos candidatos eleitos pelo voto universal se comportam como se tivessem sido contemplados num sorteio lotérico. Mas é relevante destacar que os ocupantes de cargos por sorteio, na Grécia antiga, permaneciam exercendo funções por um curto espaço de tempo, e não podiam se candidatar por mais de uma vez!
Um homem, um voto, esta é a regra básica universal para elegermos os nossos representantes para o Congresso Nacional.
Tudo muito correto e muito democrático, não fossem as lacunas imperdoáveis de um sistema eleitoral que diz e se quer honesto. Mas o que está faltando de tão essencial a um sistema eleitoral que, por ser eletrônico, apresenta resultados da contagem de milhões de votos em questão de minutos?
Ora, ora minha brava gente brasileira, falta a este sistema eleitoral eletrônico oferecer um recibo, ou melhor, a comprovação registrada dos nomes dos candidatos em quem os eleitores votaram! O que também pode ser feito, só que em segundos, e na própria cabine eleitoral tão logo o cidadão aperta a tecla que sinaliza o fim do processo de votação!
Vejam bem, senhores ouvintes, com o recibo de votação nas mãos, nele indicados os nomes dos candidatos e os cargos para os quais se candidataram, fecha-se o circuito completo do voto honesto e democrático depositado nas urnas eletrônicas! E ai, sim, estaremos no melhor dos mundos, porque o eleitor poderá fiscalizar e cobrar o desempenho prometido pelo candidato que escolheu!
Leonel Brizola, político gaúcho que já se foi, foi talvez a primeira vítima de uma tentativa de fraude eletrônica em nosso país, quando disputou o governo do Estado do Rio de Janeiro no ano da graça de 1982, contra Miro Teixeira. E foi Miro Teixeira, o adversário de Leonel Brizola, quem confirmou a possibilidade dessa primeira fraude eletrônica, que ganhou o nome de “diferencial delta”.
Descoberta a fraude, Brizola tornou-se um defensor ferrenho do recibo de votação eleitoral, um mecanismo sempre proposto, mas nunca aceito pelas elites políticas do nosso bravo Brasil.
Por que será que as nossas inteligentes e modernosas elites políticas não querem aceitar o fornecimento do recibo eletrônico de votação em nossas eleições? Será por medo de fraudes eletrônicas na contagem final dos votos? Mas como tornar tal façanha possível se os votos podem ser recontados de imediato, pois os eleitores dispõem dos recibos com os nomes dos candidatos em quem votaram, bastando apresentá-los para que se proceda à sua recontagem, mesmo manual?
Dentre os argumentos contrários ao recibo eleitoral, destaca-se aquele que afirma que os eleitores que vendem seu voto terão como melhor cobrar pelo negócio, bastando apresentá-lo aos candidatos votados.
Ora, ora, minha brava gente brasileira, é preferível lidar com este novo tipo de ação desonesta, por parte de alguns eleitores, do que permitir que ela continue existindo mesmo sem o recibo eletrônico, e os aventureiros políticos continuem tendo facilitado o processo que incentiva a procura pela compra de votos sem recibo!
Por outro lado, a existência do recibo eleitoral eletrônico fará com que aquela gente incompetente que apenas ambiciona o poder, pense duas vezes antes de se aventurar numa tentativa de ocupar cargos nos poderes Executivo e Legislativo, pois saberão que terão o seu desempenho fortemente fiscalizado e cobrado pelo seu eleitorado.
Para finalizar nossa argumentação favorável à adoção do recibo eleitoral eletrônico em nosso país, lembramos que, com sua existência, abre-se a possibilidade da revogação do voto dado pelo eleitor a determinados candidatos!
Com certeza este é o grande medo que assombra as elites políticas brasileiras e estrangeiras, e gera uma feroz resistência quando se fala em criar o recibo eleitoral eletrônico, lá fora ou em nosso país: o surgimento do direito de revogação do voto, este, sim, uma verdadeira ampliação da participação democrática direta do populacho.
E, senhores eleitores brasileiros, pasmem, tivemos o direito de revogação do voto no Brasil, no início do sistema de governo presidencialista, em 1891, quando ainda se votava a bico-de-pena e se tinha a obrigação de provar uma renda anual de duzentos mil réis, se bem que esse mecanismo só fosse adotado em três unidades da federação: em Goiás, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.
E então, vamos continuar nos “inganeisando”, ou melhor, aguentando as patacoadas do “inganeis”, ou vamos lutar para aperfeiçoar a nossa política e o nosso sistema eleitoral eletrônico?
A Síndrome do Cansaço Democrático vem se alastrando por todos os países que adotam o sistema eleitoral clássico, alcançando Europa, França e Bahia, e referido sistema garante a validade de um voto por indivíduo, mas não garante o desempenho dos representantes eleitos legal e legitimamente que, todos sabemos, não vem correspondendo às expectativas e aos anseios dos seus eleitores.
O cansaço democrático aponta para a necessidade de mudanças urgentes no sistema eleitoral vigente na totalidade dos países considerados democráticos, mudanças que permitirão inclusive a participação direta dos eleitores no processo de vigilância e fiscalização do desempenho dos representantes do povo à frente dos poderes Executivo e Legislativo.
Há quinhentos anos, tendo a Inglaterra como um bom exemplo, o monarca detinha o poder supremo ungido por ordem divina, ele detinha o poder de julgar e condenar qualquer cidadão por crimes cometidos, podendo até condená-lo à morte.
Hoje, quando a reconhecida organização Transparência Internacional publicou o seu Barômetro da Corrupção Global com chocantes descobertas sobre os partidos políticos, apontando-os como as mais corruptas organizações complexas do planeta, os políticos no poder sabem que é apenas uma questão de tempo para que as multidões comecem a defender o slogan “Sem participação, não pagamos impostos”!
Para concluir este tão longo texto, lembramos que a moderna civilização ocidental criou a democracia na antiga Grécia, tirou o poder dos monarcas, na Inglaterra, e repassou-o ao parlamento para que dele fizesse uso em nome do povo. Em seguida conseguiu - depois de muito lutar, o direito ao voto universal para eleger seus representantes nos poderes Executivo e Legislativo, e agora, com muito mais luta, e contando com a ajuda do povo armado com os celulares e as redes sociais, democratizará o processo democrático, conquistando o direito ao recibo eleitoral eletrônico que nos levará ao direito à revogação do mandato político.