Pequeno país da América Central, com sete milhões de habitantes, ocupando um território de 112.482 km², um pouco maior do que o do Estado de Santa Catarina, banhado pelos oceanos Atlântico e Pacífico, Honduras faz fronteira com as Repúblicas da Guatemala, El Salvador e Nicarágua.
A República de Honduras recebeu o apelido de República de Bananas, ou República Bananeira, do escritor norteamericano Olivier Henry, pseudônimo de William Sidney Porter.
Acusado de um desfalque num Banco de Austin, no Texas, o escritor norteamericano mudou o “i” de Sidney para “y”, passando a assinar-se Sydney, William Sydney Porter e fugiu para New Orleans e, em seguida, para Honduras, onde permaneceu por cerca de três anos, até retornar aos Estados Unidos, entregando-se à polícia e cumprindo três dos cinco anos a que foi condenado .
Com certeza, Olivier Henry, que depois abreviou o pseudônimo para O. Henry, informou-se muito bem sobre a atribulada história centroamericana de disputa pelo poder local, entre caudilhos, civis ou militares, além de conhecer com segurança sobre o poder exercido pelo seu próprio país com relação aos demais países do continente americano, à época, numa disputa aberta pela liderança na região e contra a consolidada dominação econômica e influência cultural dos países europeus.
Em Honduras, aprendeu, na prática, sobre o total domínio exercido pela United Fruit Company sobre a economia local, suas oligarquias e o expropriado povo hondurenho, em especial no decorrer do século XIX e início do XX.
Desse aprendizado surgiu a inspiração para escrever uma coletânea de contos, Cabbages and Kings (numa tradução livre, De Repolhos e de Reis), publicada em 1904, sua única obra que se assemelha a uma novela, segundo os editores do Projeto Gutenberg (oferece ebooks gratuitamente): dezoito contos, os quais, lidos em sequência, mostram o cotidiano das intrigas políticas arranjadas pelos nativos e pelos estrangeiros que habitam um país imaginário, localizado na América Central, que ele denomina de República de Bananas: politicamente instável, dominado e dirigido por uma pequena, rica e corrupta elite, dependente dos negócios agrícolas realizados por empresas locais com grandes empresas norteamericanas.
Assim, na análise política e jornalística mundial, a expressão República de Bananas ou República Bananeira consagrou-se como definidora de um país atrasado e dominado por governos corruptos e ditatoriais, e até no Brasil dos governos militares o chanceler Azeredo da Silveira vivia repetindo: “O Brasil não pode dar a impressão de que é uma Honduras”.
Hoje, Honduras, o provável país imaginário criado por O. Henry, enfrenta uma situação de absoluto isolamento internacional, em especial no plano do Continente Americano, graças à sua desimportância geopolítica na esfera de influência dos países que dominam o cenário político e a economia mundiais e ao pleno desrespeito desses mesmos países e das instituições internacionais, como a ONU e a OEA, que podem interferir em crises políticas como a que enfrenta aquele pequeno país.
O Brasil, que ensaia inserir-se como potência mundial, inclusive postulando e negociando a ocupação de um assento definitivo no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, aproveitando-se corretamente da sua atual posição de destaque no cenário econômico internacional que favorece, sem sombra de dúvidas, as declarações políticas do seu chefe de Estado e de governo, também optou por intervir nos assuntos internos de Honduras e vem contribuindo para o total isolamento internacional daquele pequeno país caribenho, sem sequer se dar ao trabalho de pesquisar ou ouvir, com respeito, os políticos hondurenhos sobre a história e a realidade política do país, pois, para isso, dispõe de diplomatas acreditados que respondem pela representação brasileira em Tegucigalpa.
Historicamente ligada aos Estados Unidos, e dele dependente economicamente, Honduras, ao mesmo tempo, enfrenta, por exemplo, sérios problemas de fronteira com a Nicarágua e El Salvador, países pelos quais sente-se ameaçada. Pelo primeiro deles, de invasão territorial, e pelo segundo, de ceder o seu direito de aproveitamento conjunto das riquezas submarinas no Golfo de Fonseca, mesmo após decisão jurídica internacional que a favoreceu.
E, de repente, surge um governante, José Manuel Zelaya Rosales, que, ao final de um fracassado mandato presidencial de quatro anos ( limite estabelecido pela Constituição de Honduras , vigente desde 1982, com cláusula pétrea que proíbe qualquer tentativa de introdução do mecanismo da reeleição ), inspirado nos exemplos e nos princípios bolivarianos do Presidente venezuelano Hugo Chávez, decidiu-se por implantar em território hondurenho o continuísmo presidencialista que permite a um mesmo grupo político, manipulando procedimentos democráticos, empalmar o poder e nele permanecer por décadas infindas.
Entretanto, o maior empecilho aos planos bolivarianos de José Manuel Zelaya Rosales é o texto da Constituição de Honduras, que festeja 27 anos de continuidade eleitoral, sendo a mais longeva e a mais hermética das 13 constituições que balizaram a vida republicana do país, o que lhe permitiu eleger a sete governantes civis, e dispõe de um conjunto de cláusulas pétreas destinadas a impedir o reavivamento do tradicional caudilhismo presidencial hondurenho, além de dotar o poder legislativo de prerrogativas quanto ao poder de nomeação das mais altas autoridades judiciárias, retirando-se, assim, das mãos presidenciais, o poder político de barganhar com possíveis interessados em suas nomeações como dirigentes das instituições no âmbito desse fundamental e importantíssimo poder republicano.
Além de fixar o mandato presidencial em quatro anos e impedir o voluntarismo continuista, a Constituição de Honduras também fixa em quatro anos o mandato do Procurador Geral da República e dos magistrados da Corte Suprema de Justiça, todos eleitos por dois terços dos 128 congressistas , após escolha dentre uma listagem com pelo menos três candidatos, apontados por uma Junta de Indicação que é formada por : um representante da Corte Suprema de Justiça, um representante da Ordem dos Advogados, um representante da Comissão Nacional de Direitos Humanos, um representante dos professores das Faculdades de Ciências Jurídicas, um representante das organizações da sociedade civil e, por fim, um representante das Confederações de Trabalhadores.
Enfim, a Constituição de Honduras, vigente desde 1982, possui cláusulas pétreas, como os Artigos 373 e 374, que impedem e condenam, legalmente, a evolução de possíveis voluntarismos continuistas, ou mesmo tentativas de golpismo travestidas de democracia, que possam ser sonhados por presidentes eleitos, grupos políticos ou autoridades responsáveis pela direção temporária das principais instituições decisórias nacionais, Forças Armadas inclusive.
No entanto, a Carta Magna de Honduras dispõe de importante dispositivo que aprova a realização de referendos e plebiscitos, e fecha o circuito destes artigos pétreos destinados a impedir manobras de presidentes, grupos políticos ou autoridades que defendam o continuísmo: o texto do Artigo 5 da Constituição, modificado por Decreto do Poder Legislativo, de 27 de outubro de 2004, com validade constitucional a partir de 12 de fevereiro do mesmo ano, o mais longo artigo da Carta Magna hondurenha.
Este artigo quinto da Constituição de Honduras estabelece o rito legal para se requerer a realização de referendos ou plebiscitos: petições com essas finalidades devem e podem ser encaminhadas por iniciativa de pelo menos dez congressistas, ou pelo Presidente da República e, por fim, por iniciativa popular contendo pelo menos 6% (seis por cento) de assinaturas de cidadãos eleitores. O Congresso Nacional, a quem o ordenamento constitucional delegou competência, deve conhecê-las, discutí-las e aprová-las ou rejeitá-las, por dois terços dos votos congressuais, tudo com amparo nos Artigos 373 e 374 da Constituição de 1982.
E segue o Artigo 5 da Constituição de Honduras determinando que compete ao Congresso Nacional , aprovada uma petição de realização de plebiscito ou referendo, instruir o Tribunal Supremo Eleitoral para que convoque os cidadãos para o cumprimento desse direito eleitoral, mecanismo que, em última análise, objetiva estender o conceito de cidadania participativa em assuntos de importância fundamental para o fortalecimento da democracia na vida nacional hondurenha.
O mais longo artigo constitucional da Carta Magna de 1982, o Artigo 5, não deixa de lembrar aos cidadãos hondurenhos, José Manuel Zelaya Rosales incluso, e , ainda, atentando-se para o conceito de soberania, ao resto das nações que adotam o Estado de Direito como marco ordenador de suas relações republicanas e cidadãs, que a reforma dos Artigos 373 e 374 da Constituição de 1982 não podem ser objeto de consulta pela via do plebiscito ou do referendo. Também não podem constituir-se objeto de tais tipos de consulta popular, segundo o mesmo Artigo 5, os assuntos relacionados com questões tributárias, crédito público, anistia, moeda nacional, orçamento, tratados e convenções internacionais e conquistas sociais.
O Artigo 373 determina que a reforma da Constituição vigente só poderá ser decretada pelo Congresso Nacional, em sessões ordinárias, com dois terços de votos da totalidade de seus membros, e o decreto de reforma deverá assinalar o artigo ou artigos que serão reformados, o que deverá ser ratificado pela próxima legislatura, por igual número de votos, para que, finalmente, passe a ter validade e entre em vigência.
E o que proíbe o referido Artigo 374 da Constituição de Honduras? Este artigo apenas reafirma o que já está consolidado pelos Artigos 4 e seu inciso I, que define a forma de governo e a obrigatoriedade da alternabilidade no exercício da Presidência da República; pelos Artigos 9 a 14, que estabelecem os limites do território nacional; pelo Artigo 273, que fixa o período de duração do mandato presidencial; pelo Artigo 239 e seu inciso I, que ditam o impedimento da reeleição do presidente em exercício, eleito ou seu substituto por qualquer espaço de tempo, e, ainda, o tipo de punição para aqueles cidadãos, presidentes ou não, que proponham a adoção do mecanismo do continuísmo eleitoral.
Segundo sua Constituição, Honduras dispõe também de um sistema eleitoral independente, formado por três magistrados e um suplente, que integram o colegiado do Tribunal Supremo Eleitoral e são indicados por petição da maioria dos partidos políticos, não podendo ser filiados a qualquer um deles, e que são eleitos pelo voto afirmativo de dois terços da totalidade dos membros do Congresso Nacional, por um período de cinco anos, podendo ser reeleitos por mais um período, conforme o Artigo 52 da Constituição.
A independência do sistema eleitoral de Honduras o torna um verdadeiro poder político, que pode ser renovado a cada cinco anos, a pedido dos próprios partidos políticos, bastando que acionem o Congresso Nacional para isso.
Quanto aos direitos e garantias individuais, a Constituição de Honduras abriga importantíssimos dispositivos constitucionais: o Artigo 101, em seu inciso II, determina que “O Estado não autorizará a extradição de réus por delitos políticos e comuns anexos”; e o Artigo 102 o complementa, decretando que “Nenhum hondurenho poderá ser extraditado nem entregue pelas autoridades a um Estado estrangeiro”.
No entanto, o Artigo 42, inciso 5, declara que “A qualidade de cidadão se perde: Por incitar, promover ou apoiar o continuísmo ou a reeleição do Presidente da República”, quando, de acordo com o parágrafo único desse mesmo artigo, houver “... prévia sentença condenatória ditada pelos tribunais competentes”.
Mesmo assim, os Artigos 89 e 90 são bastante claros: “Toda pessoa é inocente enquanto não se tenha declarado sua responsabilidade por autoridade competente” e “Ninguém pode ser julgado senão por juiz ou tribunal competente segundo as formalidades, direitos e garantias que a Lei estabelece”, ou seja, a Constituição de Honduras garante, como pede o Direito Internacional, que aqueles cidadãos acusados por qualquer tipo penal sejam submetidos ao devido processo legal.
Enfim, se queremos entender o que realmente ocorreu em Honduras no dia 28 de junho do ano da graça de 2009, quando o Presidente da República foi deposto e expulso do país pelas Forças Armadas, não podemos nos restringir apenas às palavras e depoimentos de José Manuel Zelaya Rosales, o presidente deposto, ou às de seus seguidores, ministros e auxiliares diretos ou militantes sindicalizados.
Assim, apoiados na leitura e interpretação do processo histórico do país, no expediente judicial aberto pela justiça hondurenha contra o cidadão José Manuel Zelaya Rosales, na Constituição de Honduras de 1982, em quase uma centena de artigos publicados em jornais locais, que analisam a vida política nacional e o desempenho do presidente deposto, entre 2003 e 2009, e no intenso noticiário jornalístico veiculado no mundo inteiro desde o início de tão importante crise política internacional, tentaremos apresentar a nossa versão do caso Honduras contra Zelaya.
Para a maioria dos observadores interessados nesta crise institucional hondurenha, um típico golpe de Estado sulamericano, para outros, um raro e democrático contragolpe de Estado, nas terras do lado de baixo do Equador, fundamentado legalmente em texto constitucional.
(Texto elaborado por José Everaldo Ramalho e concluído em 09/11/2009)