domingo, 8 de dezembro de 2019

A imprensa brasileira obedece a qual comando: à direita ou à esquerda volver?



Nós, brasileiros, quanto mais lemos os artigos, as colunas ou as reportagens em jornais diários e nas revistas semanais de notícias, tanto mais nos confundimos, pois nunca sabemos de qual lado do espectro binário da política estão os profissionais brasileiros da imprensa, e isso tanto nos textos escritos quanto nas falas transmitidas pela televisão ou pelo rádio.

É bom deixar bem claro que os jornalistas, pelo menos no Brasil, desfrutam da mais ampla liberdade para pensar e escrever e falar sobre o tema que mais lhes possa interessar.   

Por exemplo, em uma das principais revistas semanais, a Isto É, podemos ler uma reportagem sobre a recente defenestração de Evo Morales, indígena aimará boliviano que se encantou com o exercício da Presidência da República da Bolívia, no poder já por três mandatos, desde 2005, e tudo indica dela não pretendia arredar o pé.

A revista Isto É, de 20 de novembro de 2019, divulga que “Não fosse o apego doentio de Morales ao poder, ele poderia ter entrado para a história como o primeiro presidente a conseguir o inimaginável: dar à Bolívia a estabilidade econômica com crescimento de 5% ao ano”. E logo conclui: “O desejo de perpetuação no poder acomete demais governantes latino-americanos, Brasil incluído”. E, em seguida, completa: “Vale recordar, por exemplo, que Jair Bolsonaro atravessou a campanha falando em não se candidatar à reeleição. Pisou o Planalto e deixou claro que palavras de palanque são feito vento: ele quer ser reeleito. Até as pedras do Planalto sabem que, por sua vontade, se manteria no poder”.

Pela legislação vigente, Jair Messias Bolsonaro, o presidente eleito por maioria de votos populares para o período compreendido entre 2019 e 2022, tem todo o direito de se candidatar a uma reeleição, e não mais do que a mais uma reeleição. O que explicaria a contrariedade da revista Isto É com esse direito do presidente eleito de tentar se reeleger?

Já a revista Veja, em seu número de 20 de novembro de 2019, no texto de sua última página, um dos seus principais articulistas afirma que: “A crise na Bolívia representa um lamentável retrocesso, não só para esse país, mas para o conjunto da América Latina”. E mais adiante conclui: “No máximo de boa vontade, a ação dos generais da Bolívia pode ser chamada de contragolpe”.

A conclusão do excelente articulista, reproduzida na última linha do parágrafo anterior, nega toda a sua explicação de que o líder aimará boliviano tentou por três vezes, antes de sua destituição, manter-se no poder e para tanto cometeu três falcatruas.

A primeira fraude de Evo Morales aconteceu em 2016, ao desrespeitar o resultado da consulta popular que rejeitara a possibilidade de ele disputar um quarto mandato, e Morales sacou a desmoralizante desculpa de que, ao barrar a sua candidatura se desrespeitava o direito, assegurado a todos os cidadãos, de votar e ser votado; ainda nessa época, Morales cometeu a segunda fraude, ao manipular o Poder Judiciário para contar com a decisão subserviente de juízes por ele nomeados, que atenderiam prontamente a seus anseios de continuar exercendo o poder em seu país, mesmo que ilegalmente. 

Por último, num terceiro abuso, cometeu a terceira falcatrua, a mais infame, criando um apagão da rede elétrica quando as urnas apontavam um segundo turno eleitoral, o que levou à contagem manual dos votos. Quando a luz voltou, a contagem dos votos já apontava a vitória de Evo Morales com folga suficiente para não haver a necessidade de um segundo turno.

A última fraude cometida por Evo Morales levou a uma reação popular pedindo uma auditoria da OEA que observava e fiscalizava o processo eleitoral boliviano. No domingo pela manhã, os representantes da OEA declararam haver indícios de fraude e recomendaram a realização de outra eleição. E tudo isso foi prontamente relatado pelo admirado jornalista da revista Veja.

Por fim, a revista Veja declarou: “A instabilidade das instituições, seu desrespeito por setores da sociedade e sua manipulação pelos detentores do poder – esse é o ponto central, que faz da América Latina uma região subdesenvolvida e folclórica”. E antes dessa afirmação a revista Veja afirmou: “A destituição de Evo Morales reaviva os clichês que tornam a América Latina tão típica. Um deles é discutir, depois do golpe, se o golpe foi golpe”. E aproveitando-se dessa constatação, completou, no mesmo texto: “Temos então três golpes de Morales contra um dos generais”.

Para o profissional da revista Veja, na manifestação dos generais para explicar a destituição de Evo Morales, eles afirmaram, “num toque de delicadeza”, que apenas “sugeriram” que o líder boliviano renunciasse ao mandato presidencial cujo período de vigência se encerraria dentro de pouco tempo.

Ora, minha gente atenta aos fatos políticos, não só por estas bandas - mas no mundo inteiro, o jornalismo brasileiro esqueceu que a Coréia do Sul tem quatro presidentes cumprindo sentenças condenatórias por crimes cometidos no exercício dos mandatos, e até uma presidente, fechando uma lista de cinco presidentes encarcerados por delitos perpetrados na vigência dos respectivos mandatos. E no caso da presidente, vale destacar, ela sofreu a pena ainda no exercício do mandato presidencial. Aliás, vale assinalar que a presidente sul-coreana foi condenada inicialmente a 24 anos de cadeia, e logo depois, a mais oito, perfazendo um total de 32 anos de cana, sem direito a cana na cela.

Este acontecimento sul-coreano, de condenar cinco presidentes da República à cadeia por delitos cometidos no exercício de seus respectivos mandatos, não serve de exemplo nem merece nenhum tipo de referência nas reportagens das revistas brasileiras que abordam a destituição de Evo Morales, o primeiro indígena a ser eleito por três vezes presidente boliviano, e que desejava, mesmo contrariando a legislação do país, ficar por mais tempo no exercício do poder.

Como será que os profissionais que escrevem reportagens para as revistas Veja e Isto É considerariam a Coréia do Sul, à semelhança do que dizem da Bolívia e do Brasil? Como um país também inserido numa “região subdesenvolvida e folclórica”, graças ao número de ex-presidentes da República cumprindo penas de reclusão pelos crimes políticos cometidos? Ou levariam em consideração á síndrome do cansaço democrático, que toma conta de todos os países considerados democráticos pelo mundo inteirinho, e criariam uma expressão mais apropriada para descrever o caso coreano? E a Coréia do Norte, uma feroz ditadura comunista, por acaso também não ajudaria a configurar aquela região do planeta como “subdesenvolvida e folclórica”?

No Peru, um país do outro lado da fronteira brasileira, o ex-presidente Alberto Fujimori foi condenado a muitos anos de cadeia em decorrência de crimes cometidos no decorrer do exercício de mandatos presidenciais, e continua mofando na cadeia, com saídas permitidas para tratamento de saúde em hospitais do país, devidamente acompanhado e vigiado por escoltas policiais. Mas nenhum comentário foi feito sobre a detenção de Alberto Fujimori no Peru, nas reportagens das revistas brasileiras. Nem tampouco sobre a rejeição do povo peruano à candidatura da filha de Alberto Fujimori à presidência do país.

Ao povo resta o direito de se recusar a aceitar políticos que quebram a dentadura, mas não querem largar a rapadura do poder. E aos militares, cumprirem o que manda a constituição do seu país, em apoio aos anseios do populacho.

Parece que a ideologia atrapalha e cega os nossos jornalistas, e assim os fatos singulares, como este caso boliviano, um acontecimento que determina a história, algo considerado improvável de acontecer por sua radicalidade, por se constituir numa inversão de forças, ainda que provocado voluntariamente pelo presidente destituído, levando à sua queda de um poder já em processo de conclusão legal, exercido durante quatorze anos, de 2005 a 2019, sem que fosse molestado pelos militares, é tratado de modo parcial pelos nossos jornalistas, em duas revistas de tanta importância como a Veja e a Isto É.

Nossa imprensa está dominada pelo pensamento único de uma visão de mundo que só aceita o poder exercido pelos mesmos indivíduos, a maioria da nossa imprensa se recusa a aceitar que os últimos governantes brasileiros que estiveram no poder - como Evo Morales também por quatorze longos anos - cometeram crimes contra organizações de governo, assaltando as finanças dessas instituições sem dó nem piedade, e, por isso, perderam a confiança da sociedade e não merecem mais retornar ao poder.

Os nossos jornalistas, com algumas exceções, não aceitam a decisão popular exercida pelo voto que escolheu alijar do poder aqueles que nele permaneceram por quase quatro mandatos presidenciais, e, como no caso boliviano, não aceitam a destituição por impedimento de uma presidenta que manipulou finanças públicas como não devia e nem podia, mas que, apesar de destituída do poder, continuou com seus direitos políticos assegurados e em liberdade para utilizá-los, por decisão arranjada por um juiz do Supremo Tribunal Federal.

Nessa hora, a imprensa brasileira calou-se, e muito pouco falou sobre tamanha excentricidade, se comparamos este desfecho do caso Dilma ao desfecho do mesmo fato do impedimento e cassação dos direitos políticos de Fernando Collor de Melo por oito anos, em 1992.

A propósito do impedimento da presidenta brasileira, que não pode mais continuar exercendo a presidência da República, mas continuou gozando dos seus direitos políticos - ao contrário de Fernando Collor de Melo em 1992, que os teve cassados como manda a Constituição vigente - em 2018 ela candidatou-se ao cargo de senadora por Minas Gerais, seu estado natal, e não conseguiu se eleger!

Como é da tradição política popular, o cansaço - quem sabe mais um elemento a ser considerado dentre aqueles que podem ser incluídos como variável do mecanismo de accountability, o povo mineiro mostrou-se cansado de Dilma Rousseff, não teve mais paciência para suportar seus discursos empolados e indecifráveis nem seu desempenho administrativo. E quando o povo se cansa de um político, as urnas são implacáveis nas eleições que se seguem, e o eleitorado nunca os perdoa pelos erros cometidos, sejam eles quais forem.

Preciso de um parêntese, para lembrar que a nossa imprensa não aceita o excepcional acontecimento eleitoral que levou ao poder presidencial uma gente que pensa diferente dos seus antecessores, e continuar lembrando o caso recente de Evo Morales.

O acontecimento boliviano significou uma descontinuidade, uma transformação na qual os generais cumpriram a parte que lhes tocava conforme ditam as constituições de hoje, submetendo-se ao interesse de uma população que, na sociedade do desempenho, já estava cansada do “sempre mais do mesmo” que lhe era oferecido por Evo Morales após três mandatos presidenciais. A população boliviana queria mudanças que lhe fossem oferecidas por outro presidente que não fosse o mesmo que já conheciam de longa data.

Os bolivianos cansaram de tanto Evo Morales, como os brasileiros cansaram de tanto Luís Inácio Lula da Silva. Assim como os peruanos cansaram de tanto Alberto Fujimori. E assim é a democracia, os cidadãos cansam de seus eternos líderes. O povo inglês cansou do grande líder Winston Churchill, e não o reelegeu para o parlamento inglês após o fim da Segunda Grande Guerra Mundial, para cujo final ele tanto contribuíra de forma inegável e decisiva, uma atitude política perfeitamente reconhecida pelo mundo inteiro. Mas o povo inglês cansou de tanto Churchill.

A imprensa nacional, em sua grande maioria, enfatiza e interpreta qualquer declaração dos generais brasileiros como geradora de instabilidade política, mas ignora aquelas declarações dos líderes que se dizem de esquerda em nosso país, açulando o povo para uma revolução, por exemplo, quando assim se expressam: “A gente tem que seguir o exemplo do povo do Chile e atacar (Luís Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República, condenado em Segunda Instância a cerca de doze anos de cadeia, mas livre para falar o que lhe vier à cabeça); “Não há revolução sem sangue (Benedita da Silva, parlamentar petista)”; “Tem que fechar o STF (Wadih Damous, advogado e parlamentar petista)”; “Vamos fazer uma guerra civil (líder da CUT)”; “Vamos incendiar o país (líder do MST)”; “Vamos tomar o poder, o que é diferente de ganhar eleição (José Dirceu, um dos principais líderes petistas, ex-chefe da Casa Civil do governo Lula, em liberdade, embora condenado à prisão)”; “Estamos torcendo para que o Brasil vire um Chile (Juliano Medeiros, presidente do PSOL)”; “A hora do Brasil vai chegar (Humberto Costa, senador pelo PT)”; “O povo quer violência revolucionária, o povo quer luta, está sedento de passar a faca em todos os seus inimigos (representante da Liga dos Camponeses Pobres na Uerj)”; “Quem tentar conciliar este país vai ser atravessado com um trator nas costas (sic) (Vladimir Safatle)”; “Com a direita e o conservadorismo , nenhum diálogo. Luta! (Mauro Iasi); “Isso implica ir para as ruas entrincheirados,  de armas na mão (sic) (Wagner Freitas)”. 

Nenhuma dessas ameaças de intolerância política, que claramente instigam a violência contra a liberdade em nosso país - cuja ausência atingirá com certeza a liberdade de jornalistas expressarem o que pensam, mereceu qualquer comentário da nossa imprensa, mesmo que com “toques de delicadeza”, como talvez dissesse o nobre articulista da Veja.

Mais uma contradição bem brasileira da nossa imprensa: enquanto os generais arreganham os dentes alardeando que têm 300 mil homens em armas e têm a missão de garantir os princípios constitucionais - e a imprensa alardeia o fato, o principal líder de esquerda, condenado a doze anos de cadeia numa primeira sentença transitada em julgado, e já preso, enquanto recebia uma segunda condenação em sentença transitada em Segunda Instância que lhe aplicou mais dezessete anos de prisão por mais crimes de corrupção, ganhou um livramento temporário da primeira condenação, autorizado pelo Supremo Tribunal Federal, e foi para as ruas convocar o povo para uma revolução que nos levará, com certeza, a uma ditadura sob o talante de dirigentes de esquerda - mas a imprensa pouca importância para este fato.

Uma imprensa livre dirá que ambos os fatos acima descritos apontam para conflitos característicos de uma democracia. E temos que tentar por a cabeça no travesseiro ao som de tanto barulho, e tentar adormecer.

Enfim, a imprensa brasileira bota a boca no trombone para denunciar declarações inoportunas de generais aposentados ou ainda em serviço, mas se cala, inexplicavelmente, quando se trata de declarações instigadoras de pretensões revolucionárias que podem levar o país a uma dominação pela esquerda autoritária, incompetente,  desonesta e barulhenta, como ficou provado em quatorze anos nos quais exerceu a Presidência da República, e que, para piorar o seu perfil partidário, não admite a democrática alternância no poder.

 Aqui, entre nós, no meu Brasil brasileiro são notícias desse teor que, no meu entender, se contradizem - mas não se anulam - e nos deixam desorientados procurando entender se a imprensa se volve à esquerda ou se ela se perfila à direita. Na parte que me toca, acredito que no nosso meio jornalístico se aninha o ovo da serpente do autoritarismo de esquerda. No entanto, cabe a vocês que me escutam decidir-se pela melhor resposta a tão colorido imbróglio em verde-e-amarelo.

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