sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

(IV) Honduras contra o mundo: para que serve uma Constituição do lado de baixo do Equador?

O voto não é obrigatório em Honduras, mesmo assim, segundo o independente Tribunal Supremo Eleitoral do país, 61% dos hondurenhos compareceram às urnas no último dia 29 de novembro passado, e 53% dos votos legítimos foram favoráveis ao candidato Porfírio “Pepe” Lobo, que, como determina a Constituição vigente, deverá assumir o cargo de Presidente da República no dia 27 de janeiro de 2010.

O candidato Elvin Santos, eleito vice-presidente em 2005, nas eleições que guindaram José Manuel Zelaya à Presidência, obteve 35% dos votos nestas legítimas eleições de 2009, que teve trezentos observadores internacionais, mas nem um só da OEA.

Deve-se ressaltar que Elvin Santos renunciou ao cargo de vice-presidente de Manuel Zelaya, como manda a legislação eleitoral hondurenha, em dezembro de 2008, ou seja, ainda antes do início da grave crise política criada pelo presidente deposto, por sentença judicial da Corte Suprema de Justiça, em decorrência da desobediência a três mandatos judiciais legalmente amparados na Constituição de 1982, a qual, em seu Artigo 5º, estabelece o rito legal e democrático para a convocação de plebiscito ou referendo como queria o bolivariano ex-presidente.

Registre-se o fato histórico de Porfírio “Pepe” Lobo ter sido derrotado por Manuel Zelaya no pleito realizado em 2005, que, naquela ocasião, mesmo tendo conseguido apenas 23% do total de 55% dos votos registrados pelo Tribunal Supremo Eleitoral, foi promulgado vencedor, trinta dias após o encerramento do processo eleitoral, resultado que não foi contestado pelo presidente hoje eleito pelo povo hondurenho.

De tão agradecido pela promulgação dos resultados eleitorais em 2005, Manuel Zelaya nomeou o Presidente do Tribunal Supremo Eleitoral, Arístides Mejia, seu Ministro da Defesa no governo que se iniciou em 27 de janeiro de 2006.

Também deve ser lembrado que a OEA e os EUA consideraram legítima a eleição de Manuel Zelaya em 2005, e apressaram-se em reconhecê-la perante as demais democracias do mundo. Hoje, no ano da graça de 2009, após reconhecer a legalidade e a lisura das eleições hondurenhas, os EUA enviaram ao Brasil um representante do Departamento de Estado, Arturo Valenzuela, cidadão norteamericano nascido no Chile, que tratou longamente do tema do pleito em Honduras.

Arturo Valenzuela reuniu-se com Marco Aurélio Garcia, o Assessor para Assuntos Internacionais do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, associado ao Presidente Hugo Chávez, da Venezuela, bancaram a presença de Manuel Zelaya como hóspede da Embaixada brasileira em Honduras, durante dois meses e meio, permitindo, assim, que o mesmo pressionasse pelo seu retorno á presidência hondurenha, utilizando-se da imunidade diplomática conferida ao Brasil pelo direito internacional.

Ao final desse importante encontro internacional, Marco Aurélio Garcia, que tanto lutou para devolver Manuel Zelaya ao poder, em nome do bolivarianismo chavista, agora lutando para retirá-lo do território hondurenho, fez ver ao representante norteamericano que “a solução da crise em Honduras” passa pela deposição do Presidente interino, Roberto Micheletti, que ele, grosseiramente, insiste em chamar de presidente de facto, além de exigir a concessão de um salvo-conduto para que o presidente legalmente deposto possa deixar o país.

Acontece que, segundo o Código Penal e a Constituição de Honduras, José Manuel Zelaya não pode deixar o território de seu país sem, primeiro, prestar contas à justiça pelos dezoito crimes que cometeu, confiando, estupidamente, no plano do bolivarianismo chavista para mantê-lo, por tempo indefinido, na presidência hondurenha.

E mesmo que a justiça e o Congresso hondurenho resolvam permitir que Manuel Zelaya abandone o território nacional, os países vizinhos não vão aceitar facilmente que o “pendenciero” político de Honduras se asile para continuar difamando, à distância, a democrática Constituição que o destituiu legalmente.

Com certeza, a Venezuela de Hugo Chávez, que tanto o incentivou e o apoiou na tentativa de um golpe bolivariano em Honduras, ou Cuba, que recebeu a chanceler de Zelaya, Patrícia Rodas, e deu eco às suas denúncias de um golpe de Estado em Honduras, o recebam com carinho e lhe deem abrigo e recursos bastantes para dar continuidade á sua luta para retornar ao poder em seu país.

Quem sabe José Manuel Zelaya Rosales decida-se por pedir asilo ao Brasil, e, com certeza, o Chanceler Celso Amorim, com o absoluto apoio do Grande Guia, apodo que pespegou no Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o concederá, com o irrestrito e confiável suporte intelectual de Marco Aurélio Garcia, seu conselheiro para temas políticos internacionais, com a indispensável cobertura de todos os “fringe benefits” que um democrático presidente deposto ilegalmente deve merecer.

O parágrafo acima encontra respaldo, por exemplo, nas declarações do Presidente Lula em fóruns internacionais contra o atual governo hondurenho, desqualificando-o e repetindo que ele é fruto de um golpe de Estado.

Enfim, nos últimos tempos, a diplomacia brasileira vem comprometendo a soberania do país, emitindo declarações pueris em situações delicadas que se apresentam até no simples diálogo entre o presidente brasileiro e presidentes de importantes nações do mundo , em especial os Estados Unidos, possivelmente por confiar na potencialidade do bolivarianismo chavista e na popularidade internacional do Presidente Lula, embora ambas não possam nem devam andar de mãos juntas.

Certas situações criadas pelas decisões de política internacional do Brasil, nesses últimos tempos políticos, transbordam os limites do que convem aos verdadeiros interesses políticos nacionais de longo prazo, precipitando o país no constrangimento de ter que voltar atrás em certas dessas decisões, além de forçar-nos a suportar análises que as qualificam como ridículas.

Vale lembrar que o Presidente Lula iniciou seu primeiro mandato enquanto George Bush ainda estava no poder, e seus assessores internacionais não titubearam em promover um encontro do brasileiro com o norteamericano, quem sabe para demonstrar que a “fera” sindicalista e de esquerda era manso, não mordia e era até muito sorridente e bem humorado para com o capitalismo que produz excedente econômico.

O Presidente Barack Obama, o primeiro negro norteamericano a chegar à presidência, substituiu a George Bush, e com Lula já transformado em astro da política mundial, na esteira de sucessivas e carismáticas aparições em palcos internacionais, amparado no sucesso do controle das contas nacionais, que lhe foram repassadas em ordem pelo governo que o antecedeu, cognominou o presidente brasileiro de “o Cara”, elogiosa gíria da modernidade cotidiana, na presença das principais lideranças do mundo, para hoje, numa crise como a hondurenha, ver uma mensagem pessoal sua ao líder brasileiro ser divulgada sem o mínimo respeito, coisa que a assessoria internacional do governo petista não teve coragem de fazer no decorrer do governo de George Walker Bush.

Parece que a boa imagem do Presidente Lula no plano internacional fez os assessores presidenciais acreditarem que o Brasil e Lula eram a “bola da vez” no cenário mundial, portanto, tudo podiam, inclusive defender o bolivarianismo e o seu projeto de intervenção em Honduras, e a soberba e a megalomania os empurraram numa avalanche de atos políticos, algumas vezes politicamente corretos e em outras, perigosamente beirando o ridículo; imagine-se como se comportariam se o Brasil já dispussesse de ogivas nucleares, submarinos atômicos e poderosos aviões supersônicos de bombardeio, como o país de Barack Obama.

A desastrada intervenção brasileira na crise política hondurenha, pode-se afirmar, é uma dessas decisões que beira o ridículo e avulta como de completa irresponsabilidade e ausência de visão política, pois o Brasil desrespeitou não só o texto constitucional de um pequeno mas democrático país, como fez questão de destacar, em fóruns internacionais, de forma grosseira e agressiva, pelas vozes da sua chancelaria, e até da presidência, que as autoridades governamentais de Honduras eram ilegítimas, acusando-as de terem desfechado um golpe de Estado, depondo José Manuel Zelaya Rosales, na verdade um presidente que, ele, sim, tentou rasgar a Constituição de seu país para transformar-se num presidente atrelado ao bolivarianismo de Hugo Chávez.

No próximo texto, tentaremos apresentar um resumo da trajetória política do ex-presidente José Manuel Zelaya Rosales.

 

(Texto elaborado e concluído em 18 de dezembro de 2009)